Recém-chegada do Projac, onde havia gravado poucas horas antes sua participação no capítulo final de "Belíssima", Laura Cardoso se maquia no camarim do Teatro I do CCBB. Ela corre contra o tempo, pois dentro de meia hora vai começar mais uma sessão de "Outono e inverno", peça na qual interpreta uma matriarca opressora. Esse ritmo acelerado faz parte do seu dia-a-dia. Levando uma vida do tipo tudo-ao-mesmo-tempo-agora ela vem dividindo o seu tempo entre a peça; um curso de interpretação na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL); as filmagens do longa-metragem "A casa da mãe Joana", e a preparação para a próxima novela das 18h da TV Globo, "O profeta" Laura conta que a correria não a incomoda.
Não me amedronta fazer teatro, TV, cinema...Tudo ao mesmo tempo. Eu sempre fui dessa maneira diz a atriz de 77 anos, 55 deles dedicados a uma carreira vitoriosa. Só espero fazer as coisas com qualidade. É uma necessidade positiva. É um prazer, um gosto da minha vida representar.
Ela acha que não conseguiria ficar seis meses parada.
Eu trabalho desde os 16 para os 17 anos nesse ritmo bacana. Nunca fiquei paradona, sem emprego. Sempre me dediquei demais à minha carreira afirma, com sua voz rouca e elegante. Eu respeito o meu trabalho, não faço nada de brincadeira.
O currículo recheado com diversos prêmios Shell, Mambembe, APCA é a confirmação disso. Para manter o Padrão Laura Cardoso de Qualidade, ela conta que analisa com calma todos os convites que recebe. Laura presta atenção tanto nos projetos quanto nos nomes por trás deles.
Vejo o texto, com quem vou trabalhar e quem vai me dirigir. Presto atenção em tudo. Não penso no lado comercial. Não sei se isso é ruim para outras coisas, mas para manter a qualidade do trabalho é importante diz ela, que já recebeu convites "terroríficos". Eu recebi uma vez um texto para um filme que era uma coisa. Nem entendi como o diretor iria fazer aquilo. Todo ator recebe muita proposta. É importante saber selecionar.
Assinada pelo sueco Lars Norén, "Outono e inverno" é sobre uma família que resolve colocar as mágoas em dia durante uma refeição. Com ecos de Bergman, a peça traz diálogos ácidos capazes de chocar muita gente. Antes de encarnar a matriarca Margareta em "Outono e inverno", Laura viveu uma prostituta cega e uma médica cruel nas peças "Veneza" e "Laranja mecânica". Personagens fortes e não convencionais, como se vê, atraem a atriz, que foi elogiada pelos três espetáculos.
Eu gosto disso, sim. São personagens nos quais eu posso botar minha energia, meu temperamento explica.
E que tipo de temperamento seria esse?
Acho que não é um muito fácil (risos). O ator é meio esquisito, meio difícil. Ele diz que é fácil, mas não é, não diz. É normal que seja assim, pois se lida com muita coisa. Atuar mexe com o seu interior, com o exterior, com a vida passada, a vida que a gente sonha. Com muitas coisas.
Paulistana do Bixiga, Laurinda de Jesus Cardoso começou a atuar com 17 anos, fazendo radioteatro. Em 1950, com 20 anos, ela estreou na televisão, na TV Tupi. Uma época, diz ela, em que a televisão era "quase artesanal".
Quando começou, ela (a televisão) nos veio como um veículo cultural, como um grande veículo de informação, de ensinamento lembra Laura. Agora é tudo tecnologia. O artesanal tem sempre o calor do ser humano, tem sangue. A tecnologia é fria.
Para Laura, "o elemento humano sofreu um baque na TV".
Eu acho que a televisão regrediu um pouquinho no sentido da qualidade. Tecnicamente, não, é maravilhosa. Mas há uma certa pobreza diz ela. Isso acontece porque não há uma escolha, uma triagem de verdade. Todo o mundo pode ser tudo em televisão. Pode ser comentarista, ator, locutor... Virou uma vitrine.
Críticas à parte, Laura conta que assiste à TV. Ela costuma ver documentários, filmes europeus e novelas ("Preciso saber o que acontece no meio em que eu trabalho"). Com passagens marcantes por novelas como "Irmãos Coragem" e "Mulheres de areia", Laura mergulha mais uma vez na teledramaturgia em setembro, quando estréia "O profeta". Ela adianta que interpretará uma mulher cética na novela.
Eu ainda não sei o nome da personagem, mas sei que ela é casada com um homem espírita. Naturalmente, vão acontecer coisas que a levarão a não ser mais cética diz ela, que se identifica um pouco com o papel. Eu fui casada com um espírita (o jornalista e ator Fernando Balleroni, já falecido). Em relação a ser cético ou não, eu não sei. Às vezes, acredito. Em outras, acho que é a ciência que tem razão.
A atriz estreou no teatro na peça "Plantão 21", de Sidney Kingsley, de 1959, pelas mãos do amigo Antunes Filho. Mais de 40 anos depois, Laura diz que é do palco ("Onde os deuses te abençoam ou não") que vem a sua força. Apesar disso, ela vem estreitando cada vez mais a sua relação com o cinema. Depois de atuar recentemente nos inéditos "Fica comigo esta noite", de João Falcão, e "Muito gelo e dois dedos dágua", de Daniel Filho, Laura vem se dedicando a "A casa da mãe Joana", novo longa-metragem do também amigo Hugo Carvana.
No último sábado, ela começou a dar aulas de interpretação na CAL. Laura diz que decidiu fazer o curso para aprender e não para ensinar.
É verdade o que eu estou falando, não é besteirada. Eu gosto muito da juventude. Ela vem com novos sonhos, novas idéias diz ela. Esse tipo de experiência rejuvenesce a gente.
Laura já fez de tudo um pouco, mas ainda assim não se dá por totalmente satisfeita.
Eu ainda quero fazer "O doce pássaro da juventude" (peça de Tennessee Williams ). É um texto belíssimo.
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