A brincadeira de dois jovens americanos no final de maio repercutiu nas redes sociais. A foto de visitantes fotografando um óculos deixado no chão como se pertencesse à exposição do Museu de Arte Moderna de São Francisco (EUA) teve 66 mil retuítes na página de um dos adolescentes no Twitter. A brincadeira de Kevin Nguyen, 16, e TJ Khayatan, 17, foi motivada depois dos jovens verem itens do cotidiano expostos no Museu, como ursinhos de pelúcia enrolados em cobertores, considerados arte contemporânea. A mesma indagação feita pelos garotos pode ser feita hoje: afinal, aquele objeto pode ou não pode ser considerado arte?
Para o professor Paulo Reis, do Departamento de Artes da UFPR, o que pode ser considerado como tal sempre esteve ligada ao que era apresentado nos salões de arte e, assim, ao que pertencia à cultura dominante. Ou seja, “o que não entrava nos salões não podia ser considerado arte”, diz o professor. O movimento elitista da arte, à qual o professor se refere, influenciou a trajetória de pintores como Vicent Van Gogh, que morreu pobre e sem o reconhecimento de sua arte, por exemplo.
Assim como no renascimento e na arte moderna, em que muitas obras eram “descartadas” por não se encaixarem nos padrões estilísticos da época, a arte contemporânea também passa por algumas intempéries e incompreensões, tais como as obras impressionistas e expressionistas passaram na modernidade. O ápice da confusão dos intelectuais foram as produções de Marcel Duchamp, com sua produção ready made no início do século XX, em que o uso de objetos cotidianos foi empregado, desprezando padrões de arte pré-estabelecidos e referente a uma produção que prioriza a ideia e o sentido em detrimento da forma estética.
A obra dadaísta de Duchamp o mictório de ponta cabeça chamado de ‘A fonte” foi a primeira obra deste tipo que rompeu qualquer parâmetro de que arte era “aquela envolta em uma moldura”, como coloca Reis. A partir de então, muitos objetos do cotidiano são utilizados nas obras plásticas contemporâneas. A brincadeira dos meninos em São Francisco questiona o público e os críticos, se aqueles óculos, com a intensão de confundir os visitantes sobre se “isso é arte?” não é de fato uma arte, mesmo que feita de uma forma “meio sem querer”. A opinião dos especialistas sobre o fato não é comum.
Arte acidental
Para Reis, os óculos podem ser considerados uma obra contemporânea, pois tiveram significado para o público. O professor do Departamento de Artes da UFPR destaca que nem sempre uma obra precisa ter um significado para o autor, ela pode ser somente o que é. Entretanto, Zilda Fraletti, primeira galerista especializada em arte contemporânea de Curitiba, e a diretora do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Lenora Pedroso, ressaltam que o óculo não passou de uma brincadeira adolescente. A galerista sustenta que um artista faz “arte” quando existe um discurso, uma pesquisa e uma ideia por traz do que se pretende mostrar.
De certo modo os garotos tiveram tudo isso, só que sem uma grande base artística por trás, como entende Reis. Outro crivo pelo qual uma obra de arte deve passar e é arte”, explica.
Outro fator que determina o que pode ser chamado de “arte” é o que uma legião de críticos, acadêmicos, estudiosos e artistas renomados e que passam por curadorias para se considerar como tal. Aliás, essa “cúpula” é a responsável pelo que o professor Paulo Reis alerta para a concentração do domínio da arte pela produção de uma parcela para o consumo de uma parcela. Reis explica que é justamente desta posição à margem do que é produzido e entendido como “arte” que surgem as produções contemporâneas que rompem com o aceitável estético e histórico.
Há também o que o professor chama de “olhar contemporâneo sobre o mundo”, uma vez que para ele “quando você olha a Mona Lisa [de Da Vinci no Museu do Louvre] transforma a pintura icônica renascentista em uma obra contemporânea, porque o seu olhar é de acordo com a realidade humana dos tempos atuais”. Para Zilda arte contemporânea é a feita e entendida nos tempos atuais. “O mundo é cheio de mídias que não existiram em outras épocas. Os artistas funcionam como tradutores do mundo e decifram-no naquilo que chamamos de arte”.
Incompreendida
A arte contemporânea não precisa agradar esteticamente o espectador, muito menos precisar ser entendida por ele e quase sempre a obra não tem um significado implícito. Todos os fatores levam à arte contemporânea a incompreensão. Reis e Zilda confessaram que muitas vezes já se viram em situações que não sabiam se determinado objeto fazia parte da exposição ou não. Esse estranhamento e confusão também faz parte desse tipo de arte.
No livro “Isso é arte? 150 anos de arte moderna do impressionismo até hoje”, o autor Will Gompertz explica que muitas vezes os mesmos profissionais do ramo têm dificuldade de compreender ou distinguir objetos de obras contemporâneas, já que este universo é cercado de erudições sobre algo que aparentemente parece indecifrável.
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