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Grevistas dos Correios fizeram passeata pelo centro de Curitiba | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Grevistas dos Correios fizeram passeata pelo centro de Curitiba| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

A biografia oficial

Lygia de Azevedo Fagundes nasceu em 19 de abril de 1923 e, ainda criança, começou a escrever seus próprios contos.

Seus pais se separaram em 1936, dois anos antes de ela publicar seu primeiro livro de contos, Porão e Sobrado, pago pelo pai. Pouco tempo depois, Lygia começou a freqüentar as aulas da Escola Superior de Educação Física e da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, onde conheceu o futuro marido, Paulo Emílio Sales Gomes.

Sua primeira coletânea de contos publicada por uma editora é Praia Viva, pela Martins, em 1944. No ano seguinte, o pai de Lygia morreu. No início da década de 50, ela se casou com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. e, em 1952, publicou o primeiro romance, Ciranda de Pedra. Lygia perde a mãe no ano seguinte, mas logo nasce seu único filho, Goffredo.

O primeiro casamento acaba em 1960. Dois anos depois, ela vai viver com Paulo Emílio, morto em setembro de 1977. No lugar dele, Lygia assume a presidência da Cinemateca Brasileira.

Com 32 votos a 5, a escritora é eleita para a Academia Brasileira de Letras em 1985. Vinte anos depois, vive outro grande momento de consagração: recebe o Prêmio Camões pelo conjunto da obra.

Histórias para preencher uma biografia, Lygia Fagundes Telles decerto tem. Foram acumuladas em 84 anos de vida, entre momentos doados à solidão da escrita ou dedicados ao convívio familiar e público. Mas revelá-las em uma biografia é coisa que a escritora não pretende fazer.

"Tenho a biografia pessoal e basta", avisa no conto "O Visitante", de seu mais recente livro, Conspiração de Nuvens, lançado pela editora Rocco.

Os 19 textos curtos que compõem a obra contam episódios da vida da escritora, desde as memórias da infância e juventude com os pais e irmãos, às lembranças do segundo marido, Paulo Emílio Salles Gomes, fundador da Cinemateca Brasileira. Impressões sobre o notíciário, a participação no Grupo de Teatro Experimental de Décio de Almeida Prado e Alfredo Mesquita, e a viagem à Brasília para entregar o Manifesto dos Mil (contra a censura aos livros) são outros acontecimentos lembrados na narrativa.

A ausência sentida é a do filho único, Goffredo Telles Neto, morto no ano passado. Sobre ele, ela declarou que não poderia escrever nada – embora sua lembrança esteja em tudo. Lygia preserva seus dramas pessoais.

São esses textos os únicos relatos autobiográficos que a escritora paulista pretende deixar. Mesmo eles não são confiáveis. Estão tingidos pela tinta da ficção, como já havia sido feito em Invenção e Memória, de 2002. Lygia não distingue o que é do que poderia ter sido. Sabe que a memória faz suas próprias escolhas e que qualquer trecho da realidade, quando é contado, torna-se história.

Para saciar a curiosidade sobre a vida da escritora, o conselho dela é que leiam seus livros. "Mesmo fragmentada estou em todos eles. E não estou, nada é assim tão nítido. Ao desembrulhar as minhas personagens posso estar desembrulhando a mim mesma, as ligações são profundas", confessa.

Depois de Conspiração de Nuvens, que começou a ser escrito no ano passado, a autora já planeja suas próximas linhas. Dessa vez, deve retornar ao romance – gênero em que criou protagonistas memoráveis, como a Virgínia de Ciranda de Pedra (1954), a Raíza de Verão no Aquário (1963) e as garotas de As Meninas (1973).

Uma surpresa foi prometida para o próximo volume – a volta de uma das personagens de As Meninas. Será a viciada Ana Clara, a militante Lia ou a burguesa Lorena?

Os três romances são exemplos do sucesso de Lygia no meio literário. Ciranda de Pedra foi o marco de sua maturidade intelectual, nas palavras de um dos principais nomes da crítica literária brasileira, Antônio Cândido. Verão no Aquário venceu o Jabuti e As Meninas foi premiado pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Mas o maior prêmio já recebido pela imortal (Lygia foi uma das primeiras mulheres a ingressar na Academia Brasileira de Letras) foi o Camões, dado pelo conjunto da obra, em 2005.

Se Clarice Lispector é a mais importante das escritoras brasileiras de sua geração (para dizer o mínimo), Lygia certamente ocupa o segundo posto. Como a sua contemporânea, ela cultiva o interesse pela vida interior de suas personagens. A competência para criar personalidades psicologicamente complexas e ambientes narrativos densos são a marca mais forte de seus romances.

Contudo, a obra de Lygia é valorizada principalmente por seus méritos como contista, verificado nos livros Seminário dos Ratos (1977) e A Estrutura da Bolha de Sabão (1999), entre outros.

"Considero seus contos mais significativos que os romances, eles têm força", diz a doutora em Literatura Brasileira e professora da

UFPR, Raquel Illescas Bueno. "Não é todo mundo que domina a forma curta, consegue ter densidade em histórias breves. Ela coloca o leitor em contato com o drama rapidamente, a linguagem é eficiente para criar ambientes, mesmo fantásticos", observa Raquel.

Outra qualidade admirada pela professora na obra de Lygia é a constância. "O conjunto da obra dela, comparado ao de outros escritores, tem uma regularidade que, conquistada ao longo da carreira, merece reconhecimento", opina.

Há pelo menos mais uma habilidade a destacar. A "relativa capacidade de comunicação com o público". "A obra dela tem leitores, não é hermética ou difícil", diz a professora, para quem a participação em debates literários e a proximidade com o público, principalmente em escolas, colaboram para colocar Lygia Fagundes Telles em evidência. Não chega a ser uma exposição excessiva. Mas é uma presença mais forte do que a da maioria dos escritores.

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