Sejam lá quantos sentidos você tem, Beyoncé queria todos eles fazendo hora extra na noite de sábado para o lançamento de seu sexto álbum, “Lemonade”. Você podia ouvi-lo por streaming no Tidal como uma dúzia de canções, ou assisti-lo na HBO como um videoclipe estendido. Se você gastou algum tempo refletindo sobre o título do álbum, pode ter sentido sua língua formigar. E se você acompanhou as canções cantando, definitivamente sentiu o sopro de algo traiçoeiro.
Isso é porque “Lemonade” é um surpreendentemente e furioso pacote de canções sobre infidelidade e vingança – e sua indignação fica clara no momento em que Beyoncé canta “I smell your secret, and I’m not too perfect to ever feel this worthless” (senti o cheiro do seu segredo, e não sou perfeita demais para me sentir tão desprezível assim). A canção se chama “Hold Up”, e apesar de toda a sua raiva, soa como “Orinoco Flow”, de Enya, reencarnado como um reggae.
Senti o cheiro do seu segredo, e não sou perfeita demais para me sentir tão desprezível assim
É o mesmo que dizer que é o tipo de som pop repleto de oposições que continua a fazer de Beyoncé uma superstar impossível de se ignorar. Ela está cantando a respeito de sórdidas feridas pessoais com uma confiança despreocupada, revelando algo imenso como se não estivesse revelando nada.
Esse distanciamento é esquisito, mas sempre esteve ali. Volte ao seu hino de rompimento de 2003, “Me, Myself and I”, e você pode ouvir a mulher se desligar do universo com um voto de autoconfiança: “from now on, I’ma be my own best friend” (de agora em diante, serei meu próprio melhor amigo). Estava ela alertando o mundo de que ele nunca a conheceria de verdade? Quase 13 anos depois, e nós ainda não conhecemos.
País intoxicado
Então, sim, ainda é impossível descobrir quem ela é, mas com “Lemonade” ela foi mais clara do que nunca a respeito do que é aquilo por que luta. Ela pode ser uma superstar encasulada, mas ainda é uma mulher negra navegando em um país intoxicado com ódio por negros e mulheres. Seu estrelado se torna por si só uma forma de oposição. Por meio de sua música, ela projeta uma invencibilidade que faz ouvintes menos invencíveis se sentirem mais como ela. Ela faz com que a dureza da vida seja sentida como menos indômita. Isso era algo que David Bowie fazia, que Prince fazia, sempre foi algo que o hip-hop fez, e certamente é algo que Beyoncé faz.
Ao longo de “Lemonade”, ela expressa sua política mais explicitamente em fragmentos líricos – uma tática que parece engenhosamente apropriada para essas canções despedaçadas. Em “Hold Up”, ela pergunta por que mulheres não têm direito a sentir raiva: “what’s worse: looking jealous or crazy?” (o que é pior: parecer ciumenta ou louca?). Em “Formation”, aquele sistema meteorológico de ritmos que ela interpretou no Super Bowl, ela exibe sua própria ética do trabalho: “I dream it, I work hard, I grin till I own it” (eu sonho, eu trabalho duro, eu insisto até conseguir). A por sobre a turbulenta marcha de “Freedom”, ela toma uma decisão: “I’ma keep running ‘cause a winner don’t quit on themselves” (vou continuar a correr porque um vencedor não desiste de si mesmo). (Deixando as letras de lado, seu canto nunca esteve tão ágil ou tão inventivo.)
Vou continuar a correr porque um vencedor não desiste de si mesmo
É claro, esses reluzentes estilhaços de protesto recebem uma porção de camadas extra de contexto na versão “álbum visual” de “Lemonade”, um filme de uma hora que contrasta passagens com ar de sonho com duras realidades dos Estados Unidos. O momento mais poderoso do filme chega quando a câmera se detém sobre as mães de Michael Brown, Eric Garner e Travyon Martin, cada uma delas portando um retrato de seu filho assassinado. É muita coisa para digerir, e será impossível ter certeza de que você teve uma compreensão profunda após apenas algumas poucas ouvidas. Absorver por meio dos ouvidos – e dos olhos – leva tempo. “Lemonade” merece esse tanto de tempo.
Divórcio musicado?
E, falando de tempo, olha quão longe chegamos sem mencionar o elefante ali no canto. Sim, aquele com o boné dos Yankees. Seu nome é Jay Z, e ele é o marido de Beyoncé. Por enquanto, pelo menos.
E por mais grosseiro e de mau gosto que possa ser perguntar, é impossível não fazê-lo: Beyoncé musicou seu pedido de divórcio? Ou esse álbum tem como alvo simplesmente todos os montes de lodo infiéis do universo, em nome de parceiros menosprezados em todos os lugares?
Você não está casado com uma ordinária, rapaz
É difícil acreditar nessa última opção quando se trata de “Don’t Hurt Yourself”, uma colaboração tempestuosa com Jack White, no qual Beyoncé rosna “you ain’t married to no average b----, boy!” (você não está casado com uma ordinária, rapaz). Ou do confiantemente vibrante “Sorry”, no qual canta “I regret the night I put that ring on” (me arrependo da noite em que pus esse anel), e então “big homie better grow up” (é melhor o amigão crescer) – uma referência direta ao apelido de seu marido. (Você vai ter de pesquisar por conta própria o insulto de fazer o queixo cair que Beyoncé solta no primeiro verso da canção. Não é publicável aqui.) Autobiográficas ou não, as pessoas vão ficar loucas analisando essas coisas.
Então vá enfrente e fofoque até sua língua cair. Só não deixe isso arrastar seus ouvidos para muito longe dos sons que Beyoncé fez para você. Há um encontro sério a se ter de maneira solitária com essa música, e você vai querer dedicar todos os seus sentidos a ele. Se não mais nada, “Lemonade” prova ao menos que todos os nossos os sentidos, já impressionados à exaustão, ainda estão bem responsivos, especialmente ao som de uma voz humana singular.