Conheci pessoalmente Moacyr Scliar em 9 de dezembro de 1986. Havia concluído o curso de Letras e tentava me estabelecer em Porto Alegre, onde vivi perto de um mês. Fascinado com a cidade, percorria os sebos, comprando obras longamente desejadas. Quando soube que Scliar estaria lançando o volume de contos O Olhar Enigmático (Guanabara, 1986) em uma livraria próxima, corri até lá para pegar o autógrafo.

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Havia pouca gente e pude conversar com o autor, que escreveu duas dedicatórias exageradas – comprara também a quarta edição de O Carnaval dos Animais. Eu descobriria depois que, generoso, Scliar elogiava todo mundo, jamais frustrando quem o procurava. Ele sempre atendia aos pedidos mais irrelevantes, cedia textos já publicados, escrevia outros sob encomenda, respondia rigorosamente os e-mails – e tudo com grande rapidez.

Naquele primeiro encontro, eu era ainda o leitor tímido fascinado com um de seus autores prediletos. Em Scliar, cultuávamos um uso do realismo mágico que transcendia a questão política tão opressiva na ditadura militar por meio de recursos fantásticos derivados de sua formação judaica. Havia, portanto, um viés político e outro étnico na sua produção, o que lhe dava um lugar único nos anos 70 e 80. Também era forte a presença da cidade de Porto Alegre, que ganhara em seus livros uma latitude mítica e ao mesmo tempo muito real.

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Além da tendência para o humor, para a ironia, duas características textuais estariam presentes em seus textos – uma leveza e certa rapidez narrativa. Isso faz com que eles, em alguns momentos, soem superficiais. Não vejo tal opção como defeito, antes como qualidade. Scliar nunca quis escrever "O Grande Romance", daí o tom agradável de seus livros e também de suas falas públicas, que tendiam para parábolas. Ele jamais cansava a plateia.

Ficará, por isso, como um dos grandes mestres contemporâneos que ajudou a tirar o peso de nosso idioma literário.