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Martin Amis, um Dickens contemporâneo | Divulgação
Martin Amis, um Dickens contemporâneo| Foto: Divulgação
  • RomanceLionel Asbo – Estado da Inglaterra Martin Amis. Tradução de Rubens Figueiredo. Companhia das Letras, 360 págs,, R$ 49

Há algo ao mesmo tempo assustador e fascinante no personagem-título de Lionel Asbo – Estado da Inglaterra, romance do escritor britânico Martin Amis, recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Sociopata consumado, ele se orgulha de, desde a mais tenra infância, ter desafiado as normas vigentes, e feito tudo o que lhe veio à cabeça.

Na Londres suburbana, em um fim de mundo chamado Diston, lugar onde a expectativa de vida não ultrapassa 60 anos, Lionel é o rei do pedaço, entrando e saindo de prisões desde muito jovem, e se impondo socialmente pela força do grito e da porrada. Se não gosta, bate, rouba, quebra e pode matar, ou providenciar que isso aconteça, sem maiores sentimentos de culpa. Mas também possui um lado B, e pode ser, a sua maneira, terno e protetor.

Desmond, sobrinho de Lionel, tem pelo tio um afeto ambíguo. Como nunca teve um pai, e sua mãe o deixou órfão cedo demais, enxerga no brucutu uma reserva de carinho e proteção, embora tenha plena consciência do vulcão, sempre à beira de uma erupção, com quem tem de lidar desde menino. Por conta disso, mantém uma certa – e necessária – distância, sempre que consegue, apesar de sentir uma obrigação quase moral de estar por perto, apagando incêndios.

Há, no entanto, um segredo que pode azedar a relação entre Des (o apelido do sobrinho) e o tio: aos 15 anos, ele teve um caso com a própria avó, Grace, mãe de Lionel. Se o affair um dia vier à tona, as consequências poderão ser trágicas.

Como se fosse um Charles Dickens contemporâneo, Martin Amis busca, em muitos títulos de sua obra, descrever a classe operária inglesa do lado de dentro, dando protagonismo a seus modos toscos, à fala muito peculiar das ruas – o chamado cockney –, retratando seu cotidiano com uma espécie de lente de aumento literária.

Isso é bom e ruim, porque o leitor que não conhece essa realidade de perto fica sem saber onde ela termina e onde começa a caricatura.

Se Lionel é um exemplo castiço desse universo, Des simboliza a tentativa de ruptura com uma ordem social da qual parece difícil escapar: estudioso, ele se torna jornalista, apaixona-se por Dawn, uma professora primária bonita e educada. Mas Lionel o assombra, como um fardo que o lembra constantemente de suas origens e pecados, e o rapaz se sente na obrigação de carregá-lo.

O romance de Amis, que rompe com a linearidade e brinca com a noção de tempo, tem uma reviravolta quando Lionel ganha uma fortuna absurda na loteria e, na condição de milionário, potencializa sua insanidade, cometendo toda a sorte de desvarios, para desespero do sobrinho. Dessa premissa brota uma obra envolvente, que diverte e assusta como seu personagem central.

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