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Numa das entrevistas que concedeu depois do lançamento de O Mundo Que Virá, a escritora norte-americana Dara Horn, considerada pela revista Granta um dos 20 principais nomes da nova literatura do seu país, disse que o livro gira em torno de empregos possíveis da expressão que lhe dá título: a vida depois da morte, a redenção, o futuro numa perspectiva cotidiana. Trata-se, para ela, de uma narrativa simbólica, "algo que aponta para uma vasta camada de significados além do óbvio".

São declarações curiosas porque remetem a um problema comum na análise literária: a necessidade de atribuição de intenções maiores, solenes, a histórias cujo mérito muitas vezes é o simples fato de serem bem contadas.

É o caso deste livro, que começa descrevendo o furto de um quadro do pintor russo Marc Chagall num pequeno museu judaico, fato que realmente ocorreu em Nova Iorque, em 2001.

O autor ficcional do crime, Benjamin, é um ex-garoto prodígio de programas do tipo perguntas e respostas, e seu ato remete a várias tramas paralelas no tempo e no espaço, numa técnica que preenche vazios deixados por cenas que se intercalam e complementam: o início do namoro dos pais do protagonista, sua infância difícil, a gravidez de sua irmã gêmea, a desilusão amorosa recente da curadora do museu, as trajetórias do escritor ídiche Der Nister e do próprio artista Marc Chagall.

Já seriam peripécias suficientes, mas não para Dara Horn. Como dá a entender na entrevista, ela parece não confiar na força intrínseca, digamos assim, desses fragmentos. Por isso, há um esforço para emprestar a eles um sentido metafórico.

Em discussões sobre a natureza de uma pintura, de relatos infantis e de sonhos, cenas recorrentes no livro, é como se a autora estivesse ilustrando uma idéia subterrânea, que relaciona escolhas e destinos individuais com a brutalidade do século 20.

Recurso desnecessário

Claramente, no entanto, essas piscadelas ao leitor são desnecessárias. Não só porque as conclusões delas tiradas soam um tanto banais, mas porque a capacidade da autora de criar situações realistas, em ambientes tão diversos entre si quanto a Rússia dos anos 20 ou a Guerra do Vietnã, dispensa-a das bengalas da alegoria.

Mesmo quando entra em terreno mais fantasioso, como na ótima descrição do "treinamento" de um feto para a sua "estréia", o livro de Horn concentra seu poder na narrativa em si, na composição sutil de situações e ternura na descrição de afetos, e não em qualquer alusão simbólica. Ou seja, a melhor maneira de ler O Mundo Que Virá é sob uma ótica saudavelmente literal. O que não tira seus méritos, claro, e até empresta certa ironia ao seu resultado: numa época tão saturada de histórias, em que o público está tão vacinado contra truques de causa e efeito e caracterização de personagens, alcançar impacto apenas com tais recursos não deixa de ser um sinal de originalidade.

Ao contrário do que diz Dara Horn e para o bem dela, estamos diante de um notável triunfo do óbvio.

Serviço – O Mundo Que Virá, de Dara Horn, com tradução de Inês Cardoso (Nova Fronteira, 448 págs.; R$ 44,90).

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