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Ray Bradbury não era unanimidade entre os críticos | J.M. Huron/AFP
Ray Bradbury não era unanimidade entre os críticos| Foto: J.M. Huron/AFP

A morte do escritor norte-americano Ray Bradbury, aos 91 anos, na última quarta-feira, em Los Angeles, deixa os leitores de ficção científica sem um dos principais representantes do gênero, autor de clássicos como Fahrenheit 451 (1953) e As Crônicas Marcianas (1950), recentemente relançado numa versão em quadrinhos pela Editora Globo.

Bradbury não era unanimidade entre os críticos. Muito menos sinônimo de visionário em termos políticos – de fato, foi um autor considerado reacionário, que apoiava as intervenções bélicas de George W. Bush. Quando seu livro de contos As Crônicas Marcianas foi lançado, garantindo sua reputação como autor de ficção científica, Christopher Isherwood destacou sua originalidade, enquanto o crítico Damon Knight escreveu o oposto, definindo como medíocre sua imaginação. O livro é visto como uma alegoria da Guerra Fria. Bradbury transfere o conflito entre potências para outro planeta.

Influenciado por Lovecraft, Jules Verne, H.G. Wells e George Orwell, Ray Bradbury, ainda adolescente, devorou Frank Baum e Edgar Allan Poe, publicando um fanzine de ficção científica quando ainda trabalhava como jornaleiro nas ruas de Los Angeles. Seu primeiro texto pago faz justamente uma homenagem a Poe, Pendulum (1941). Um ano depois, misturou elementos de suspense com ficção científica e escreveu O Lago (The Lake).

Bradbury produziu mais de meia centena de livros durante sua carreira, mas são os títulos dos anos 1950 que ainda o identificam como mestre do gênero. Nos anos 1960, ele criou uma companhia de teatro, a Pandemonium, produzindo as próprias peças – ele foi fiel ao palco até sofrer um derrame, em 1999, mas permaneceu ativo como escritor até 2003. Numa entrevista à revista Paris Review, feita nos anos 1970, Bradbury, respondendo à pergunta sobre o que o levou a escrever ficção científica, classificou o gênero de "óbvio". "Se eu tivesse nascido no século 18 e inventado uma máquina com rodas que iria matar milhões de pessoas, diriam que eu era louco, mas foi o que acabou acontecendo." Para ele, o verdadeiro visionário, parafraseando o cineasta Federico Fellini, era o realista.

O escritor, em entrevistas, sempre recorria a uma metáfora – o mito de Perseu e da Medusa – para explicar o que significava a ficção científica. No lugar de encarar a face da verdade, ele preferia olhar sobre seus ombros, dizia, buscando no futuro uma resposta para o presente. O tema de Fahrenheit 451, por exemplo, poderia facilmente ser associado à queima de livros na Alemanha nazista, mas Bradbury não queria um vilão praticando o ato nem pontificar sobre a intolerância. Apenas imaginou um bombeiro, cuja função é apagar o fogo, sendo pago por um Estado totalitário, no futuro, para queimar livros. Seria uma repetição banal de um ato histórico se tal bombeiro não tivesse a curiosidade de ler seu primeiro livro e se apaixonar (pelos livros e por uma mulher).

O poder visionário de Bradbury se traduz, particularmente, pelo drama do homem de The Illustrated Man, que vê as tatuagens de seu corpo transformadas em pesadelos reais. Um livro para pensar sobre a servidão voluntária de milhares de pessoas submetidas a uma marca tribal, em plena era da internet, e um alerta sobre o poder do mito numa civilização em que acredita somente no explícito.

Cinema

Nascido em 1920 em Waukegan, Illinois, Bradbury foi também roteirista (é dele o roteiro de Moby Dick, realizado em 1956 por John Huston), tendo alguns de seus livros adaptados para o cinema, entre eles o citado Fahrenheit 451, dirigido em 1966 pelo francês François Truffaut, e Uma Sombra Passou por Aqui (The Illustrated Man), realizado por Jack Smight em 1969.

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