Se a crônica encontrou no Brasil uma aclimatação própria e se estabeleceu como o nosso gênero literário por excelência – a conversinha franca, o diálogo cativo –, o percurso do haikai em nosso país também merece integrar o catálogo daquilo que chegou, se ressignificou e permaneceu. Em “Outro Silêncio”, novo livro de haikais da curitibana Alice Ruiz, a mais festejada “praticante” brasileira do gênero, ela executa uma excelente poética da concisão, reforçando a estatura do conjunto de sua obra, vencedora de dois Jabutis.
Em linhas gerais, o haikai é a menor forma poética existente. Com apenas três versos e no máximo dezessete sílabas, é dividido em cinco sílabas no primeiro, sete no segundo e cinco no terceiro verso. Consiste na apreensão e observação dos elementos da natureza. O formato chegou ao Brasil pelo porto de Santos, em 1908, com a primeira leva de imigrantes japoneses e, desde então, tem espaço expressivo no cotidiano lírico, de Millôr Fernandes a Paulo Leminski – embora ambos tenham adicionado características personalistas que quebram regras e geralmente irritam os mais puristas.
Livro
Alice Ruiz. Companhia das Letras, 96 pp., R$ 26.
Poemas de Alice, como “depois de queimada / as árvores florescem / em outra direção”, entregam uma perspectiva desacelerada da relação do leitor com o mundo concreto. O que se pretende está mais na sensação, na intimidade da palavra, de dizer o mínimo possível com o máximo de matizes, do que no campo da doutrina.
“Outro Silêncio” é dividido em quatro estágios de observação – primavera, verão, outono e inverno. Com flashes como “acima das nuvens / de um sonho a outro / um mar imóvel” e “janela aberta / a cama toda coberta / folhas secas”, Alice constrói uma margem de equilíbrio, de desafogo, onde mais importa o olhar ao epicentro das cenas mínimas do que a profusão de imagens, característica de nosso tempo que a autora faz questão de se distanciar. “sonho de viagem / não sei se durmo / ou olho a paisagem”.
Alguns poemas parecem quase desimpactantes e denotam como o haikai, com sua estética singular, exige esforço de apreensão, um contato diferenciado com a ligação econômica de palavras. Contudo, o movimento não é de incomunicação. Quando busca o efeito, “em Pirenópolis / raios e relâmpagos / são pirilampos”, ou o voo imagético, “véspera de Ano-Novo / fogos em profusão / desespero dos pássaros”, a intenção primária de Alice é convidar para observar o mundo numa outra frequência, mais branda. E isso a obra realiza com esmero, um recorte poético, em última instância, sobre a sazonalidade da vida.
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