O título do livro “A Utilidade do Inútil” faz um jogo de palavras. Como pode haver utilidade para algo que é inútil?
Dá para supor que tudo tem uma utilidade – até um relógio com ponteiros parados está certo duas vezes por dia –, mas o alvo do autor, o filósofo italiano Nuccio Ordine, é a ideia que move o mundo hoje: a de que tudo aquilo que não dá lucro é inútil.
Sozinho contra todos – e em defesa da arte –, Ordine reúne argumentos bons para mostrar que essa lógica de acumular dinheiro e poder (apenas pelo dinheiro e pelo poder) é desumana.
“No universo do utilitarismo, um martelo vale mais que uma sinfonia, uma faca mais que um poema, uma chave de fenda mais que um quadro: porque é mais fácil compreender a eficácia de um utensílio, enquanto é sempre mais difícil compreender para que podem servir a música, a literatura ou a arte”, escreve Ordine.
Se ficamos indiferentes ao que de fato pode dar algum sentido à vida – àquilo que nos faz humanos –, corremos o risco de viver como os peixes na historinha que o escritor David Foster Wallace (1962-2008) contou para um grupo de estudantes do Kenyon College, em Ohio (EUA), no dia da formatura deles.
A historinha (que, depois do suicídio de Wallace, virou livro) é citada por Ordine e diz que dois peixes jovens nadando um ao lado do outro encontram um peixe mais velho que os cumprimenta e diz: “Bom dia, jovens, como está a água?”.
Os dois peixinhos passam pelo velho, nadam mais um pouco e um olha para o outro: “Que diabos é água?”.
Wallace quis mostrar que coisas essenciais para a vida podem passar despercebidas. (É legal perceber na historinha como o peixe mais velho não só manja o que é água, como pergunta dela com leveza.)
“Não nos damos conta, de fato, de que a literatura e os saberes humanísticos, a cultura e a educação constituem o líquido amniótico ideal no qual podem se desenvolver vigorosamente as ideias de democracia, liberdade, justiça, laicidade, igualdade, direito à crítica, tolerância, solidariedade e bem comum”, argumenta Ordine.
Nuccio Ordine. Tradução de Luiz Carlos Bombassaro. Zahar, 224 pp., R$ 39,90.
É uma discussão difícil – como falar de arte quando você precisa ganhar a vida? –, mas Ordine, a exemplo do peixe mais velho, a conduz com leveza.
A estrutura do livro é irresistível, formada de capítulos curtos, diretos, não necessariamente conectados uns com os outros, e funciona como um compêndio de sacadas que o filósofo teve ao longo dos anos, dando aulas sobre o assunto na Universidade de Calábria.
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Abandonar a pretensão de possuir, saber conviver com o risco da perda significa aceitar a fragilidade e a precariedade do amor. Significa renunciar à ilusão de uma garantia de indissolubilidade do elo amoroso e reconhecer que as relações humanas, com os limites e as imperfeições que as distinguem, não podem prescindir da opacidade, das zonas de sombra, da incerteza. Eis por que procurar no amor a transparência total, a verdade absoluta, significa destruir o amor, significa sufocá-lo num abraço mortal.
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Não se pode possuir o amor
Mais para o fim de “A Utilidade do Inútil”, Nuccio Ordine argumenta contra o culto da posse, que tem tudo a ver com a busca do lucro e com os interesses individuais. E faz isso falando de amor.
Pense naquela história da pessoa que entra numa relação pensando: “O que eu posso ganhar com ela?”.
“O enamorado se doa pela pura alegria de se dar, sem esperar nada em troca”, diz Ordine. “É mais fácil falar do que fazer”, você deve estar pensando.
Ordine está bem acompanhado e cita, entre outros, Antoine de Saint-Exupéry, escritor que criou “O Pequeno Príncipe”: “Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer”.
Para o filósofo italiano, o desejo de possuir é o que alimenta o ciúme. “Amar, nesse caso, não significa mais doar-se, e sim, sobretudo, ser amado por alguém que te pertence”.