Há quanto tempo você não presta atenção no encarte de um CD? No tempo em que o programa da tarde era ouvir um disco, os encartes serviam como guia ao ouvinte para que ele pudesse acompanhar as letras das músicas, as cifras a cada canção, a poesia em cada estrofe. Com a chegada do streaming, no entanto, esse costume se tornou menos recorrente.
“Pra que é que serve uma canção como essa?”, de Adriana Calcanhotto, tenta retomar o hábito de leitura das músicas como uma narrativa poética, um recurso literário. “De vez em quando uma canção sozinha responde a todas as perguntas”, diz Adriana na apresentação do novo livro, lançado pela autora em Curitiba na última quinta-feira (27). Organizado por Eucanaã Ferraz, a obra reúne 91 letras da cantora para serem lidas em silêncio, sem a distração da melodia.
É inevitável ler “Vambora”, sucesso do álbum “Maritmo” (1998), e não cantar no ritmo melancólico da canção. Até para Adriana o processo de desvencilhar a letra da melodia é difícil. “Eu não consigo ler sem que me venha à música”, conta em entrevista à Gazeta do Povo. O intuito do organizador, contudo, é justamente sugerir outro olhar às letras de música. Autor do livro “Letra Só” (2003), uma coletânea de 186 letras de Caetano Veloso, Eucanaã diz que somente com treino é capaz de fazer este processo. “Trata-se de um grande equívoco separar uma coisa una, é como separar corpo e alma”, ressalta.
O resultado sugerido é ler um poema com fim em si mesmo, repleto de significados para além das palavras, uma nova experiência literária. “O meu critério de seleção foi olhar aquilo no papel, ler, imaginar que alguém fosse ler aquilo também e que fosse gostar”, diz Eucanaã.
Nova fase
“Eu resisti. Para a minha personalidade é difícil empenhar tempo olhando as coisas que eu já fiz, sendo que eu poderia utilizá-lo para fazer coisas novas”, afirma Adriana.
Por cinco anos ela e o ensaísta trabalharam no livro, reunindo letras guardadas no baú, organizando-as de modo não linear. Dividido em cinco seções — Você, Agora, Onde, Olhar, Verso — o trabalho conta a história de Adriana Calcanhotto por meio de perfis musicais. “Eu olhando para o meu próprio trabalho não tinha vontade de fazer um livro. Se fosse para fazer um livro seria uma coisa nova”, diz.
Devido ao lançamento do livro, a cantora diz ter reparado mais na própria forma de trabalho, o que a levou a ter uma consciência do seu processo criativo. “Achava que eu produzia de uma maneira mais caótica, só que é o contrário: sou muito metodológica. Uma canção minha sempre começa e termina no mesmo pedaço de papel”.
Depois de concluído, a compositora e interprete encarou o livro como “a tampa” de uma fase. “Eu levei anos fazendo isso, e agora me deu um alívio porque posso começar outra vez. É o fim de um ciclo”, avalia. Aberta a novas possibilidades, ela revelou que fez quatro canções desde o lançamento do livro e que está em um momento introspectivo de composição. Entretanto, descarta que o próximo trabalho será temático, como “Micróbio do Samba” (2011) ou um novo heterônimo, como Adriana Partimpim, direcionada às crianças.
Adriana Calcanhotto não estará nos palcos cantando como faz há 20 anos. Nos próximos seis meses, os alunos da Universidade de Coimbra, em Portugal, terão aulas de poesia e canções brasileiras com ela. Como embaixadora da instituição, Adriana lecionará como professora convidada pela Faculdade de Letras.
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