Parte da história de O Meu Irmão , escrito por Afonso Reis Cabral (lusitano de 25 anos que é trineto de Eça de Queirós), se passa em um povoado do interior de Portugal.| Foto: João Nuno Brochado/Wikimedia Commons

Apesar de apresentarem um processo evolutivo lento, dizem que os portadores da síndrome de Down conseguem anular o peso de qualquer comprometimento físico ou intelectual que carreguem por elevarem ao máximo a potencialidade afetiva humana.

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Downianos são, de certa forma, propensos a criar situações de afeto extremamente resistentes, como as circunstâncias que sintetizam O Meu Irmão, do escritor português Afonso Reis Cabral.

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Vencedor do prêmio LeYa do ano passado, o primeiro romance publicado pelo lusitano de apenas 25 anos – trineto de Eça de Queirós (1845-1900) – conta a história delicada de um professor que “adota” o irmão de 40 anos e com síndrome de Down após a morte dos pais.

Livro

O Meu Irmão

Afonso Reis Cabral.
LeYa, 320 pps. R$49,90.

A convivência entre ambos reacende lembranças familiares que rompem de uma maneira interessante a linearidade da narrativa, estruturada em capítulos sobre o antes e o depois, que, ao final, convergem no agora e na questão mais evidente da obra, que é a tentativa do irmão “perfeito e inteligente” de reconquistar a confiança do irmão “inimputável e incompleto”, depois de 20 anos de afastamento.

Embora trate do tema delicado da deficiência, o livro não é compassivo. Cabral nunca questiona as imperfeições dos personagens.

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Tal postura escancara ao leitor uma história realista, na qual o sentimentalismo se resume a pequenos surtos de consciência do narrador – o irmão “normal”. Isso implica na presença de relatos que beiram o desumano ao abordar o mundo dos downianos.

Nada tão injustificável. Ao assumir a responsabilidade de cuidar de Miguel (o deficiente), e “livrar” o resto da família do embaraço, o professor assume a incumbência de ocupar-se não apenas do irmão, mas também de Luciana – colega que frequenta a mesma escola e que se torna o grande amor de Miguel.

Mais do que obsessão, Luciana torna-se uma ameaça na vida do professor: é o obstáculo que frustra a proximidade entre os irmãos.

Luciana não gosta do novo responsável por Miguel. E Miguel, naturalmente, passa a resistir à construção de uma nova relação fraterna, criando uma barreira difícil de ser quebrada pelo professor, que tenta, em processos dominantemente dissimulados, trazer o irmão para uma nova realidade familiar.

“Nunca sentirei um amor de pai pelo meu irmão, embora saiba de que de certa forma é isso que me constringe. Se conseguir amá-lo mais, reconhecê-lo como meu – fingir que desde sempre o vejo como criança, imaginar que lhe peguei ao colo depois de ele nascer –, talvez ultrapasse a distância entre nós”, diz o protagonista.

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Por isso, na tentativa de acelerar o contato com Miguel, o irmão decide tirá-lo da escola e, assim, separá-lo de Luciana.

O “descanso” em um povoado no interior de Portugal, numa antiga casa de família, supera o alívio e se torna um cenário de surpresas, que une o passado ao presente em uma história delicada , prazerosa e, por momentos, chocante.