O início da carreira de Aguinaldo Silva como repórter policial foi quase por acaso. No começo da década de 1970, o hoje consagrado novelista trabalhava como copidesque (uma espécie de revisor e redator que existia nas redações antigamente) da editoria de Cidade do jornal “O Globo” quando caiu nas suas mãos uma entrevista com a vedete Wilza Carla, conhecida por arrumar seguidas confusões. Aguinaldo conta que “virou o texto pelo avesso”, para dar mais sabor à história, e o caso ganhou chamada na primeira página do jornal. A partir daí, o diretor de redação Evandro Carlos de Andrade decidiu que ele seria responsável por editar todas as reportagens da recém-criada editoria de Polícia.
Da redação para as ruas, foi um pulo. Em suas andanças pelo Rio de Janeiro, da Zona Sul à Baixada Fluminense, escreveu reportagens sobre casos célebres - como o crime da Sacopã e o assassinato da menina Araceli -, entrevistando de delegados a chefes de grupos de extermínio, como o temido Mariel Mariscot. Suas memórias da época, e os textos publicados nos jornais alternativos “Opinião” e “Movimento”, compõem o recém-lançado “Turno da Noite - Memórias de um Ex-Repórter de Polícia” (Editora Objetiva). Inicialmente, Aguinaldo escreveria só uma apresentação para as reportagens reproduzidas no livro, mas se alongou e fez um detalhado relato memorialístico.
“Na época da ditadura, a gente escrevia de pinimba, para ver o que passava pela censura” diz Aguinaldo. “Eu me empolguei, escrevi demais e virou um livro de memórias dessa fase da minha vida. Agora vou ter que escrever outro com as minhas memórias da televisão”.
Jovem romancista
Antes de enveredar pelo jornalismo, no Recife, o novelista já tinha publicado três romances. E só tinha 18 anos. O terceiro, “Redenção para Job”, saiu pela Editora do Autor, cujos donos eram ninguém menos que Fernando Sabino, Rubem Braga, Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos. Foi para lançar o livro que Aguinaldo veio ao Rio de Janeiro pela primeira vez, em 1962.
Dois anos depois, após o golpe militar, chegaria na cidade em situação bem diferente. O “Última Hora - Nordeste”, jornal onde trabalhava e que apoiava o governador Miguel Arraes, foi empastelado. Sem emprego e obrigado a viver escondido, decidiu deixar Pernambuco.
O destino original era São Paulo, mas Aguinaldo acabou na Lapa carioca, indo trabalhar na “Última Hora” do Rio. O ambiente do bairro boêmio o fascinava e serviu de laboratório para o repórter policial que, como ele mesmo admite hoje, nunca teve fontes na polícia.
“Eu tinha um fascínio por esse mundo. Não queria ser um deles, mas conhecer quem eram aquelas pessoas, o que as levou a se tornarem marginais ou policiais violentos. Era uma curiosidade de ficcionista e de jornalista também. Para mim, ficção e jornalismo são muito próximos”.
Prisão
Nas suas memórias, o novelista aborda uma passagem traumática da sua vida: os 70 dias que ficou preso na Ilha das Flores, entre o final de 1969 e o início de 1970. A maior parte desse período, ele permaneceu incomunicável. A razão da prisão foi o prefácio que Aguinaldo escreveu para uma edição brasileira dos “Diários” de Che Guevara. Após sair do isolamento, foi parar numa cela com líderes comunistas históricos, como Diógenes de Arruda Câmara.
“Ser preso é a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa. Sua alma é apossada, decidem seus horários. Eu era muito jovem. Passar por isso por causa de um ato político é muito traumático”.
Ao se embrenhar nos confins da cidade e circular entre bandidos e policiais corruptos, Aguinaldo nunca teve medo?
Ele admite que tinha, mas não media as consequências. Tanto que aceitou uma carona de Mariel Mariscot, personagem da sua reportagem “Pobres Homens de Ouro”, reproduzida no livro. Os dois foram parar, sozinhos, no antigo Hotel Paineiras.
“Acho que eu tinha certo fascínio pelo perigo. Nessa viagem aos infernos com o Mariel eu tive muito medo. Mas aí ele virou para mim e falou, olhando o Jockey lá embaixo: ‘Eu sou um cara muito sensível’. Imagina! Ele era um assassino”.