Faltou sutileza ao destino quando lançou a sorte de Karin Slaughter. Seu sobrenome (“massacre”, em inglês) ganhou ares de prenúncio conforme a escritora americana galgou posições na lista dos mais vendidos do “New York Times” e vendeu 30 milhões de romances policiais sanguinolentos.
A mesma ferocidade atravessa “Flores Partidas” (ed. HarperCollins Brasil, 464 págs.), seu trabalho mais recente, da primeira à última página. Desta vez, o suspense e a inquietação do thriller estão a serviço do drama familiar de Lydia e Claire, irmãs marcadas pelo desaparecimento da irmã mais velha, Julia, e pela descoberta de um submundo da pornografia que se rejubila com a tortura de mulheres: os “filmes snuff”.
Karin tergiversa sobre a reputação “carniceira” que a precede. Aos 45, prefere separar a mulher que passa muito tempo de pijama, faz compras no mercado e come bolinhos demais da autora que tem reuniões com detetives para criar serial killers e se refugia nas montanhas por semanas inteiras para narrar seus brutais assassinatos.
“Quando termino de escrever, não é difícil retornar ao meu eu normal”, afirma. “O ponto da história não é o crime, mas a reação dos personagens a ele, e como isso muda suas vidas. Não quero sentir que escrevo só para chocar as pessoas -é preciso que o choque sirva a um propósito: mostrar a humanidade dos personagens.”
A autora nega pegar pesado em suas representações de violência, sobretudo ante alguns de seus pares do sexo masculino, como Stieg Larsson (“Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”) e Jeffery Deaver (“Carte Blanche”).
“Algumas pessoas acham chocante eu ser mulher e escrever sobre o assunto com franqueza”, diz. “Quando levamos em conta que mulheres leem mais que homens e são atraídas à literatura policial, o resultado é um público não só interessado nesse assunto, como também em escrever sobre ele.”
Horror do dia a dia
De estupros coletivos a tiroteios em massa, violência é o que não falta no noticiário, e é dele que Karin extrai cenários cujos horrores desafiam a compreensão humana.
“Mas eu escrevo para entreter, e não desejo nunca sentir que explorei a tragédia de outra pessoa. Crimes [violentos] ocorrem todos os dias -no caso de violência sexual, a cada minuto de cada dia- e quero honrar [as vítimas]”, afirma.
Em “Flores Partidas”, a escritora se debruça sobre o mercado de “filmes pornográficos snuff”, supostos registros de assassinatos reais que circulariam na deep web (parte da internet não detectada por buscadores como o Google), mas cuja existência não foi provada.
Ainda que grotesca, a temática não amedrontou Karin. “A violência está imbuída na internet. As decapitações no YouTube, as gravações de selvageria contra mulheres, os tiroteios -todos estão disponíveis a qualquer um que quiser encontrá-los”, diz a autora. “Se muito, me preocupo que as pessoas tenham se anestesiado com o horror.”
No âmago, “Flores Partidas” e seus equivalentes no romance policial suscitam um debate mais amplo, questionado a fascinação do ser humano pelo macabro.
“A depravação sempre existiu. Basta ler os clássicos, olhar para a história da guerra ou as fotos de Abu Ghraib [prisão iraquiana, palco de torturas das forças armadas americanas]”, argumenta a autora. “Se eu tivesse que teorizar, diria que o desejo de ver essas coisas [extremas] vem da natureza.”