Escrever já não é mais algo assim tão solitário. Uma plataforma digital, que mistura rede social e folhetim, conseguiu se converter na maior comunidade de escritores e leitores da internet e já projeta autores ali formados para as livrarias.
Fundado em 2007, no Canadá, o Wattpad tem cerca de um novo livro ou capítulo postado a cada 25 minutos, prestes a captar a atenção de algum dos 40 milhões de visitantes mensais. Com recursos de interação, o site prova que a internet pode estimular novos autores a exibir seus trabalhos.
No Brasil, o projeto já conta com a circulação de um milhão de usuários por mês, que não pagam nada para acessar textos postados por seus próprios criadores no computador, tablet e celular (90% dos acessos são de aplicativos móveis). Entre as preferências, estão romances de fantasia e histórias romântico-eróticas, mas a gaúcha Rô Mierling prova que há espaço para outros gêneros. Seu “Diário de uma Escrava”, repleto de violência e terror psicológico, fez sucesso na rede e deve ganhar em breve uma edição em papel.
Bruno Dorigatti, da DarkSide Books, editora que irá publicar fisicamente o livro de Rô, afirma que não vê risco comercial em colocar no mercado um produto que já esteve disponível gratuitamente na internet.
“Tudo que circula online funciona como propaganda gratuita para um artigo que poderá ser trabalhado futuramente. É muito mais divulgação do que um ponto contra as vendas”, diz Dorigatti.
O Wattpad não é a única plataforma de autopublicação a disputar a atenção dos escritores. No Brasil, há diferentes serviços online disponíveis, como Amazon KDP, Bookess e Publique-se. A crescente popularização do Wattpad, no entanto, aponta um novo caminho para escritores e leitores.
De acordo com Allen Lau, CEO e co-fundador da ferramenta, o que retém os usuários é o aspecto social da plataforma, que possibilita ao leitor seguir seus escritores preferidos, receber notificações de novos capítulos e debater em grupos virtuais.
“Como uma plataforma social, o Wattpad conecta criadores e fãs diretamente para criar um novo tipo de experiência de contar e ouvir histórias. As pessoas chegam pelo conteúdo, mas ficam pelas amizades”, diz Lau.
A gaúcha Rô Mierling não planejava se tornar um fenômeno no Wattpad, até que se surpreendeu com a boa acolhida de seu trabalho. Há cerca de um ano, quando ainda não havia concluído seu “Diário de uma Escrava”, ela passou a publicar os capítulos no site. Para a autora, foram os comentários deixados pelos leitores que a estimularam a continuar:
Minha ideia foi colocar um ou dois capítulos online. Se fossem bem, partiria em busca de uma editora. Mas, como o pessoal acabou gostando muito, sempre comentando e interagindo, segui postando até que o livro ficou completo.
“Já havia lançado três livros físicos, mas nenhum foi badalado como esse. Quando comecei a escrever, estava insegura, pois não sabia se a história teria aceitação. Minha ideia foi colocar um ou dois capítulos online. Se fossem bem, partiria em busca de uma editora. Mas, como o pessoal acabou gostando muito, sempre comentando e interagindo, segui postando até que o livro ficou completo”, diz.
Relato ficcional de uma menina mantida em cativeiro por um psicopata, “Diário de uma Escrava” alcançou 1,4 milhão de acessos sem abrir mão de pesadas cenas de abuso e violência, criadas a partir de pesquisa da autora sobre o tema. O livro deve ganhar em breve uma cuidadosa edição da DarkSide Books, casa editorial carioca que vem se destacando com títulos do gênero horror.
“É um salto na minha carreira”, diz a autora.
Foi por meio do Wattpad que a paulista Bruna Brito, que escreve sob o pseudônimo de Lilian Carmine, alcançou uma façanha pouco comum entre escritores brasileiros: conquistou o mercado editorial estrangeiro antes do nacional.
Receber comentários e ter um feedback direto dos leitores foi o que me atraiu no site. É muito bom ter uma resposta imediata em cada capítulo, ver o que está funcionando na história ou o que não está.
Depois de ter mais de 35 milhões de acessos na rede, sendo por algum tempo o mais lido da plataforma, seu romance de fantasia “Lost Boys”, escrito originalmente em inglês, chamou atenção da gigante editorial americana Random House, que o publicou em 2013. No Brasil, o livro só ganhou uma versão impressa meses depois. A narrativa deu origem a uma trilogia, que em breve terá as continuações lançadas no país. Para ela, o ambiente social do Wattpad fez toda a diferença ao criar.
“Receber comentários e ter um feedback direto dos leitores foi o que me atraiu no site. É muito bom ter uma resposta imediata em cada capítulo, ver o que está funcionando na história ou o que não está, ver quais pontos estão causando dúvidas ou confusão, o que não foi bem explicado ou explicado demais e, às vezes, até ter surpresas encantadoras quando um personagem secundário passa a ser tão querido e ter uma reação bem maior do que a esperada”, diz a escritora.
Um dos gêneros mais badalados do Wattpad no Brasil são os romances erótico-românticos. Entre os destaques, está o trabalho da goiana Camila Moreira. Radicada em Lucas do Rio Verde (MT), ela decidiu colocar capítulos de seu “O Amor Não Tem Leis” no Wattpad e teve grande visibilidade.
A divulgação usada há dois anos pode ser um pouco diferente da que muitos utilizam atualmente. Mas, no meu caso, usei e abusei das redes sociais. Foi por meio delas que consegui levar meus livros ao máximo de pessoas que conseguia.
Antes mesmo de o livro estar completo, uma editora com foco em autores autopublicados propôs a ela deixar uma edição online disponível na Amazon. Um mês depois do lançamento, a Suma de Letras se interessou em publicá-lo como impresso, levando-o às livrarias em 2014 – depois deste, a editora já publicou mais dois títulos da autora.
Tanta badalação, no entanto, foi conquistada com muito trabalho da escritora para atrair leitores.
“A divulgação usada há dois anos pode ser um pouco diferente da que muitos utilizam atualmente. Mas, no meu caso, usei e abusei das redes sociais. Foi por meio delas que consegui levar meus livros ao máximo de pessoas que conseguia. Grupos de leituras, grupos no WhatsApp, ajuda dos amigos e leitores, blogueiros e resenhistas: todos eles contribuíram para o crescimento das minhas histórias”, diz Camila.
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