Delphine de Vigan, escritora francesa que se tornou best-seller contando história da família.| Foto: Joel Saget/AFP

Delphine é uma escritora francesa que alcançou estrondoso sucesso ao contar a história da sua própria família em detalhes. Após virar best-seller, a autora passa a receber cartas ameaçadoras, que parecem ser escritas por um parente, acusando-a de não ter dito toda a verdade. Vivendo ainda uma crise em relação à escrita, Delphine conhece L., que ganha a vida como ghost writer de celebridades e rapidamente se torna sua melhor amiga e confidente. Esse é o ponto de partida de “Baseado em fatos reais” (Intrínseca), o primeiro livro de Delphine de Vigan lançado no Brasil. Assim como a protagonista do seu romance, Delphine se transformou em um fenômeno na França ao contar a história da sua mãe, Lucile, em “Rien ne s’oppose à la nuit” (“Nada se opõe à noite”, em tradução livre), lançado em 2011 e que vendeu quase 1 milhão de exemplares.

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As semelhanças entre a Delphine real e a de “Baseado em fatos reais”, que vendeu cerca de 500 mil exemplares na França e ganhou os prêmios Renaudot e Goncourt des Lycéens, não param por aí. A escritora nunca tinha demorado tanto tempo entre a escrita de um romance e outro. Delphine admite que o sucesso se tornou intimidador e acabou por definir o tema do romance.

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“Os dois livros estão ligados de alguma maneira. Talvez ‘Baseado em fatos reais’ seja o único livro que eu poderia escrever depois de ‘Rien ne s’oppose à la nuit’. Tenho amigos escritores que, quando colocam a palavra ‘fim’ ao terminar um romance, são capazes de começar outro. Eu não sou assim, preciso de um bom tempo de latência, um tempo para eu me voltar para a vida. Para mim, a escrita é muito solitária. No caso desse livro, precisei de mais tempo do que o normal. Provavelmente porque foi muito intimidador escrever depois de tamanho sucesso”, conta a escritora.

As aflições da protagonista se confundem com as da sua criadora, apesar desta garantir que se trata de uma obra de ficção. Em “Baseado em fatos reais”, L. se torna a única pessoa com quem Delphine (a da ficção) consegue conversar sobre o seu “bloqueio criativo”. As duas estabelecem uma relação de simbiose que, no desenrolar da história, se desdobra em dependência e manipulação. Como uma boa ghost writer, L. parece à vontade para assumir as tarefas que Delphine se vê incapaz de fazer. Até chegar ao ponto de se passar pela própria em uma palestra numa escola no interior da França.

Um dos grandes dilemas que angustiam Delphine no livro é o tema do próximo livro, o primeiro após o enorme sucesso. No romance, ela busca manuscritos antigos, tramas começadas e nunca terminadas, mas é sempre desencorajada pela melhor amiga. L. afirma que Delphine precisa mergulhar ainda mais fundo na própria vida e na da família. É isso que os leitores querem, diz. Se a literatura não falar a verdade, perde a sua razão de existir. No entanto, as duas Delphines, a real e a da ficção, discordam. A autora queria explorar esse desejo de realidade do público.

“Eu não concordo com L., e Delphine também não. O que eu busquei, através da personagem L., era abordar algo que me parece muito importante hoje: a valorização das histórias verdadeiras. Como se uma trama se tornasse mais interessante por estar baseada em fatos reais. É a razão pela qual boa parte dos filmes hoje é lançada com a menção ‘baseado em fatos reais’, que funciona como um argumento comercial”, afirma a escritora. “Na literatura, cada vez mais vejo escritores partindo de documentos reais para criar suas histórias. No exterior, a literatura francesa tem muito essa imagem de uma literatura um pouco narcísica, autocentrada. Eu queria brincar um pouco com isso.”

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“Isso é verdade? É tudo verdade?” foram as perguntas que Delphine mais ouviu após o lançamento de “Rien ne s’oppose à la nuit”. Os leitores encontraram e divulgaram na internet um documentário sobre a família de sua mãe, além de fotografias de Lucile em anúncios publicitários de quando ela era criança. Esses episódios são narrados no romance autobiográfico. A partir dessa experiência, Delphine resolveu jogar com o código da autoficção em “Baseado em fatos reais”.

“Eu conversei com alguns leitores e perguntei: por que isso é tão importante? Vocês gostaram do livro? Vocês riram? Vocês choraram? Então, obrigada. Mas é assim tão importante verificar se tudo nessa história é verdade? Esses questionamentos e essas trocas com os leitores fizeram nascer ‘Baseados em fatos reais’. Meu objetivo foi fazer o leitor se perder nessa confusão entre ficção e realidade”, revela.

Se o romance começa como uma obra de autoficção, aos poucos vai se transformando num thriller. Na abertura de cada uma das três partes do livro - “Sedução”, “Depressão” e “Traição” - há uma epígrafe de Stephen King, sendo duas de “Misery - Louca obsessão”. Delphine afirma que os textos são mesmo chaves de leitura de “Baseado em fatos reais”. A proposta de cruzar os dois gêneros no mesmo livro estava presente desde o início da arquitetura do romance. A autora francesa tem por hábito fazer um plano bastante detalhado da trama antes de começar a escrever propriamente e diz ser fã do escritor americano.

“O que eu gosto muito nos seus romances é que muitas vezes há uma reflexão sobre a escrita e a condição do escritor. Stephen King trabalhou muito sobre o duplo também, essa ideia de que talvez um outro escreva quando você escreve, de que alguém nos escreve também. Esse é um tema muito importante em ‘Baseado em fatos reais’”.

Dois de seus romances anteriores já foram adaptados para o cinema (“No et moit”, lançado em 2010) e para a televisão (“Les heures souterraines”, de 2015). Agora, “Baseado em fatos reais” será levado para as telas sob a direção de Roman Polanski e com roteiro de Olivier Assayas. Delphine afirma que Polanski era o seu nome favorito, apesar de não ter influência na escolha nem na adaptação. Ela agora se dedica a um novo romance, e conta ter escrito as primeiras linhas na segunda-feira da semana passada. Seu “período de latência” foi bem menor desta vez. Perguntada se L. realmente existiu, e se teve alguma coisa a ver com o longo tempo em que ficou sem escrever, Delphine desconversa

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“Eu não posso responder a essa questão. L. existe de uma forma ou de outra. Cabe a você descobrir que forma é essa”, despista.