“Nunca confie num presidiário. Ninguém ama você. Atire primeiro. Penteie-se três vezes ao dia. Outros farão o trabalho por você. Nunca deixe de receber o que lhe devem.Trabalhe rápido. Sempre pareça razoável. Arrume um cachorro.”
Este é o inventário mental que um dos personagens do romance “A Entrega”, de Dennis Lehane, usa em algumas situações da trama. É o último mandamento, no entanto, que coloca a trama para rodar. Na verdade, a disputa pela tutela de um pitbull encontrado quase morto em uma lata de lixo por Bob, um bartender solitário e estoico que vive no piloto automático.
O aparecimento do cão traz Nadia para dentro da vida de Bob. Ela é uma mulher com passado incerto e uma cicatriz “vermelha escura, o sorriso de um palhaço bêbado” na parte inferior da garganta.
A partir daí também surgem no cenário os bêbados desiludidos atendidos por Bob, cruéis mafiosos chechenos, golpistas de todos os tipos e o psicopata que alega ser o dono do cão.
Todos eles mais ou menos envolvidos em um plano para ganhar o bolo de apostas do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano.Toda ação acontece na semana entre o Natal e o ano-novo quando o frio e a neve tornam ainda mais desolador o cenário de um bairro barra pesada da cidade de Boston.
Dennis Lehane. Tradução de Luciano Vieira Machado. Companhia das Letras, 184 pp., R$ 39,90.
“A Entrega” é o 13.º romance de Lehane publicado no Brasil e foi adaptado de um conto chamado “Animal Rescue”. Em comum com outros textos dele, há a atmosfera cheia de sombras em que a morte e a traição parecem estar sempre no quarto ao lado, fazendo flexões de braço, prontas para entrar em cena.
A linguagem é herdeira da melhor escola da literatura “hard boiled”. Texto seco, preciso, coloquial sem vírgulas cheio de imagens fortes e metáforas espertas. Passos rápidos, diálogos curtos, personagens violentos e sem moral.
Com esse barro molhado de neve se faz grande literatura nessa novela curta ideal para ler de um fôlego só numa tarde de férias ou num assento de ônibus (ou de avião).
A ficção de Lehane é também muito visual. Os livros parecem prontos para para o cinema, à espera do som da claquete. Ainda que a lenda diga que o autor de 50 anos torcesse o nariz para a ideia de verter suas novelas para a telona, princípio quebrado pela proposta de Clint Eastwood que comprou os direitos da adaptação de “Sobre Meninos e Lobos”, em 2003.
Outras adaptações de suas obras foram “Medo da Verdade” (2007) por Ben Affleck e “Ilha do Medo” (2010) por Martin Scorsese.
“A Entrega” também virou filme, inédito no Brasil, e marca o último papel de James Gandolfini (1961-2013) no cinema.
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