Na sala de espera, um riso inesperado e mais alto do que o previsto assustou a senhora ao meu lado, que disse “deve ser divertido isso aí”. Meio sem jeito, concordei. Ela perguntou que livro era aquele. Mostrei-lhe a capa: “O Pai Morto”. “É engraçado mesmo com esse título triste?”, quis saber. Sim, muito. E não só isso.
Publicado originalmente nos Estados Unidos em 1975, o livro de Donald Barthelme (1931-1989) chegou ao Brasil pela primeira vez neste ano – foi lançado pela Rocco em julho, com tradução de Daniel Pellizzari. A história é surreal: um cortejo para enterrar o Pai Morto, figura gigantesca que possui uma perna mecânica e não está totalmente convencida sobre o fim de sua existência. Através de cabos de aço, os responsáveis por carregar o pai são Thomas, filho que lidera o grupo, e sua namorada Julie. Juntam-se ao cortejo Emma, amante de Thomas, e o alcoólatra Edmundo, o outro filho, além de operários que ajudam no transporte – e demandam melhores condições de trabalho.
Graça infinita
Barthelme foi revelado nos anos 1960 na revista New Yorker. Jornalista e professor de escrita criativa, beberrão e fumante, morreu aos 58 anos. Pode-se dizer que escreveu este livro para contestar o pai – arquiteto bauhausiano conservador. Mas sua obra influenciou gente como Salman Rusdie, Dave Eggers e principalmente David Foster Wallace, admirador declarado de sua prosa “dadaísta” .
Se o mote é como um filme de Luis Buñuel (1900-1983), as ferramentas utilizadas por Barthelme para dar cabo da história são uma colagem literária: há mesclas de gêneros e estilos, definições enciclopédicas, diálogos levianos e digressões metafísicas, tudo banhado num humor sarcástico.
Barthelme também foi pioneiro na utilização de desenhos para ilustrar passagens do texto, trunfo que o caracterizou como um dos pioneiros do pós-modernismo literário.
Donald Barthelme. Tradução de Daniel Pellizzari. Rocco,
240 pp., R$ 34,50. Romance.
Contradições
Durante a jornada, O Pai Morto – mesquinho e tirânico – questiona frequentemente sua morte física, elucubrando possibilidades para permanecer neste mundo.
Como se fosse um “todo poderoso”, ele tem a capacidade de matar animais e os próprios filhos, embora esteja sendo carregado por eles para um funeral.
São essas contradições nas relações entre pais e filhos e, num plano mais profundo, certa veneração ao existencialismo, as principais marcas desta obra, tão engraçada quanto desafiadora.
Ministros da Primeira Turma do STF que devem julgar Bolsonaro têm atritos com ex-presidente
Supremo dos EUA rejeita bloqueio de Trump a US$ 2 bilhões em ajuda externa
Governo Trump diz que restabelecerá ajuda à Ucrânia se negociações de paz avançarem
Transparência Internacional cita Toffoli na OEA ao relatar desmonte do combate à corrupção