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A educação não é um caminho em linha reta. Não deve ser confundida com a programação, ou a habilitação. Não é um adestramento. Diante dela, a literatura se torna um terreno de resistência. Encontro fortes exemplos disso em Tempos de Escola — Contos, Crônicas e Memórias, volume do selo Boa Companhia (Companhia das Letras). Autores tão distintos quanto Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Sant’Anna e Lima Barreto, entre outros, nos levam a encarar a educação não como um processo lógico, resultado só da aplicação coerente de métodos próprios, mas, também, como uma espécie de iluminação. Algo que se passa — ou não — dentro de cada um.

Começo pelos breves textos de Carlos Drummond. Em “A Escola Perfeita”, vários métodos educacionais são experimentados. Primeiro, imagina-se a criação de uma Escola de Pais, em que as famílias sejam adestradas na arte de adestrar os filhos. Não dá certo. A direção da escola decide deixar a tarefa, então, nas mãos dos próprios filhos, mas isso também não funciona. Em uma solução híbrida, imagina-se a criação de uma escola conjunta de pais e filhos, “sem programa definido”, mas mesmo o incerto não produz resultado algum.

A resposta só aparece na criação de uma escola que imita a natureza, “uma escola natural de coisas, em que tudo fosse objeto de curiosidade, sem currículo”. Surge assim uma Escola da Natureza, “sem mestres, sem alunos, sem decreto, sem diploma, onde todos aprendem de todos”. A nova escola — que anula a própria ideia de escola — é regida por dois princípios que, normalmente, excluímos do ensino: a alegria e a falta de cerimônia. Só assim, abdicando do caráter reto para imitar a incoerência da vida, o novo método funciona.

As palavras — Drummond nos alerta — têm um poder devastador que, em geral, desconsideramos. Leia-se, agora, “Poder da etimologia”. O professor Nemésio explica à aluna Cacilda que, segundo as teses de Zambaldi, seu nome quer dizer “a que combate com lança”. Antes uma menina doce, a revelação transforma Cacilda em uma criança “suscetível e mesmo agressiva”. A família toma satisfações com o mestre. Ele só consegue resolver o estrago quando nega sua própria afirmação. “Minha filha, isso de etimologia é muito discutível, cada uma diz uma coisa”. Garante, então, que as teses tradicionais de Zambaldi estão desacreditadas. “O verdadeiro significado do nome de uma pessoa é o que confere a pessoa que o tem”. Cada um é dono de seu próprio nome. Novamente de posse de si mesma, ela volta a ser uma menina suave e gentil. É em nós mesmos, e não nos compêndios, que encontramos a origem de nosso nome.

Em “Nova carta de ABC”, Olavo Bilac relata a história de um menino que encontra um método invertido de alfabetização. Fascinado por cinema, ele aprende a ler sozinho decifrando os cartazes dos filmes. “Todos nós aprendemos a ler indo da parte para o todo, começando pelas letras, passando às sílabas e acabando pelas palavras e frases”. Mas agora o garoto inverte o processo e parte das frases prontas para, só depois, chegar às palavras e, enfim, às letras. “A paixão sempre opera milagres”. Graças a sua paixão pelo cinema, o garoto criou seu próprio método, que funciona muito mais rápido que o método tradicional. Mas que, provavelmente, só funciona para ele.

A história do menino desfaz um mito cultivado, com fervor, pela maioria dos educadores: o da simplicidade e retidão. Escreve Bilac: “há criaturas que nascem complicadas, (...) não podendo absolutamente compreender o que não é complicado”. Dá o exemplo extremo de um homem que só lê e escreve em uma língua que apenas ele entende. Especifica: “os seus caracteres não são pictográficos, nem ideográficos, nem chineses, nem cuneiformes”. A outro homem seria muito mais fácil aprender a escrita comum, pelos processos comuns. “Mas há gente que só é capaz de fazer o que é difícil”. Tudo depende, outra vez, da intuição.

No mais belo relato do livro, “A aula”, de Sérgio Sant’Anna, o ensino é visto como um propósito que ultrapassa as forças humanas. Ao lidar com o aluno, o mestre deve primeiro encontrar sua própria maneira de se aproximar dele. Para chegar a seu objetivo, um professor se vale de um ovo — símbolo da absoluta perfeição e também da origem da vida — e de um cartaz publicitário que traz uma faixa de luz dourada atravessando um fundo de trevas. Preparando-se para a aula, o mestre está desencorajado e chega a ter vertigens. “E, mais do que morrer, teve medo de desabar diante de todos, caindo no ridículo”. Vai dar a aula inaugural do semestre. Dele esperam clareza e lucidez. Conseguirá?

É mal visto pelos colegas. Os acadêmicos o tomam como um “empírico”, um daqueles “que fazem da imaginação e da fantasia uma realidade palpável”. Sua primeira frase anuncia o difícil caminho que escolheu: “Tomemos como princípio o Caos”. Ele também pode ser chamado de informe ou indiferenciado. Para chegar a esse objeto fluido, que está na origem de tudo, os métodos convencionais já não prestam. Agarra-se o mestre, então, ao ovo, “a vida em sua forma mais primária e perfeita”. Ilustra a aula com um ovo roubado de um sanduíche. Suas meditações a respeito desse núcleo primário despertam as risadas dos alunos. A certo momento, como em um mantra, e imitando o Om, Om, Om dos indianos, eles começam a repetir a palavra “ovo”, deixando o professor atordoado.

O mestre não se deixa abater. Apresenta, então, a tese paradoxal de que o Ovo Cósmico foi o gerador “inclusive de Deus”. O elo perdido da origem humana seria, assim, essa origem circular, em que o próprio criador é criado por seu objeto, em uma ruptura radical com a noção de tempo evolutivo. A resposta é, portanto, um círculo e não há mais o que transmitir. Resta-lhe lançar o ovo no chão, destruindo qualquer esperança de coerência. De uma forma ou outra, seu método intuitivo abriu uma ferida no espírito de seus discípulos. O professor de Sant’Anna nos ajuda a pensar que a transmissão do saber, muitas vezes, toma as formas mais imprevistas. É com o inesperado que o professor deve jogar, ou estará apenas a repercutir velhas verdades e a massacrar com elas seus alunos.

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