Aos 38 anos, o escritor italiano Nicola Lecca já é um autor “das antigas”, tendo sido nomeado ao prêmio literário mais importante da Itália aos 22.
Foi um susto, nas palavras de Lecca. Foi quando deixou “de ser um dos 40 mil livros publicados no país por ano para ser um dos 5 finalistas ao Strega”, diz, numa referência ao prêmio mais importante das letras italianas.
Desde então, ele acumula endereços, considerando-se um escritor nômade, e várias certezas.
Uma delas contradiz o que se poderia pensar após a leitura de A Pirâmide do Café: apesar de fazer uma dura crítica ao capitalismo massificador, retratando uma organização que padroniza sem escrúpulos seus produtos, atendimento e até funcionários, Lecca não se considera um escritor político.
“A minha força e lucidez é nunca ter interferido em debates públicos”, diz em entrevista à Gazeta do Povo, por telefone, de Viena.
Outras eras já o levaram a Reykjavík (Islândia), Visby (Suécia), Barcelona (Espanha), Innsbruck (Áustria) e Londres, onde se situa o enredo do livro.
Seu personagem Imi passeia pelas cinzentas ruas londrinas com uma esperança que beira a ingenuidade, uma característica criticada pelos outros imigrantes que se tornam seus amigos.
Italiano escreve fábula maniqueísta
Nicola Lecca usa em “A Pirâmide do Café” uma escrita cinematográfica.
Leia a matéria completaDescobrir de onde vem a felicidade de uma pessoa que não tem um dólar sobrando foi uma das origens do livro.
Por questões de privacidade, Lecca não revela a localização da aldeia onde conheceu um orfanato e, dentro dele, órfãos “muito mais felizes do que ele”. “Eu iria passar um dia, mas acabei ficando 500. Queria aprender com eles”, conta.
O personagem Imi foi criado num orfanato na Hungria, e esse lugar pobre de onde ele tira sua estabilidade emocional é retratado no livro.
A maior parte, porém, se passa entre ingleses. A princípio, o órfão se deslumbra com a padronização da rede de cafeterias que o contrata, a Proper Coffee. Logo, porém, a moralidade do garoto entra em choque com a cartilha da empresa.
Romance
Nicola Lecca. Tradução de Joana Angélica d’Ávila Melo. Bertrand Brasil, 238 pp., R$28.
Um fato interessante sobre a obra de Lecca é nunca ter situado uma trama em sua ilha de nascimento, a Sardenha. Algo inédito, já que todos os escribas saídos da região falaram de sua terra. “Foi algo que gerou um desconforto, como uma traição”, diz.
Aos 17 anos, ele nunca tinha saído da ilha, uma espera que só fez aumentar a fúria com que percorreu a Europa depois disso.
“Hoje me divido entre Viena [Áustria], Veneza e Sardenha, e me sinto em casa em todos esses lugares.”
Nos cinco anos que viveu em Londres, Lecca conta ter sido muito bem tratado –já seu personagem conhece os dois lados da moeda na capital inglesa.
O Brasil é o primeiro país fora da Europa a traduzir um livro dele, o que é destacado com alegria por Lecca.
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