Os EUA, dizem, sofrem de uma falta de empatia. Em muitos dos seus discursos, o presidente Barack Obama identifica a origem das divisões sociais no “maior déficit que temos... um déficit de empatia”. Mas um novo livro, “Against Empathy: the Case for Rational Compassion” [Contra a Empatia: pela Compaixão Racional, em tradução livre], escrito por Paul Bloom, psicólogo de Yale, afirma que isso não é nem um pouco verdade. Bloom argumenta que a maioria dos problemas da sociedade – e os problemas das nossas próprias vidas – tem origem, em vez disso, num excesso de empatia.
Conversamos com Bloom sobre por que ele acredita que a empatia nos deixa com a cabeça mais fechada, se aproveita dos nossos preconceitos e pode, na verdade, inspirar grandes crueldades.
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P: Vamos começar com a pergunta óbvia: O seu problema com “empatia” é apenas um problema semântico?
R: Não. As pessoas usam o termo “empatia” de todos os jeitos, muitas vezes como sinônimo de “gentileza”. Não sou contra a gentileza, nem contra as pessoas serem boas umas com as outras. Não sou contra as pessoas serem morais, compassivas e gentis. Eu sou a favor de todas essas coisas, e é por isso que sou contra a empatia emocional.
A empatia cognitiva é diferente. É um esforço para compreender o que está acontecendo na cabeça dos outros, o que não é nem moral, nem imoral, e pode ser usada de várias maneiras: para seduzir, acalmar, ofender, atormentar. Se você quiser infernizar a vida de alguém ou se quiser comprar um presente de aniversário para essa pessoa ou consolá-la, então entender como ela funciona é uma ferramenta extremamente poderosa.
A empatia emocional, porém, é quando sentimos os sentimentos dos outros. Muitas pessoas, incluindo vários psicólogos, filósofos e teólogos, acreditam que esse gesto de sentir os sentimentos alheios é o que faz com que as pessoas sejam boas pessoas. Eu proponho o argumento contrário, o de que a empatia emocional distorce a bondade.
P: Como isso é possível?
R: Primeiro de tudo, apesar de muitas vezes direcionar o nosso processo de tomada de decisões, a empatia reflete os nossos preconceitos. Ela favorece aqueles que são parecidos conosco, por isso é muito fácil sentir empatia pelas pessoas que são parte do nosso grupo ou comunidade. É fácil ter empatia por pessoas bonitas ou que não nos assustam, mas as pessoas superestimam radicalmente sua própria capacidade de empatia. Nós não somos bons nisso. É quase impossível ter empatia por pessoas que odiamos.
A empatia é também imensurável. É o motivo pelo qual nos preocupamos mais com uma criança que caiu no poço do que com os bilhões de pessoas que sofrerão os impactos da mudança climática. A dor dos bilhões é vaga e estatística, enquanto a história daquela uma criança nos atrai.
E, por fim, a empatia nos deixa cruéis.
P: Como ela pode nos deixar cruéis?
R: A empatia cataliza a raiva. Ela pode ter um efeito moral corrosivo inacreditável. Ela pesa forte do lado do agressor, enquanto nos deixa ignorantes quanto aos custos da crueldade, da violência e até mesmo da guerra.
No sul dos EUA, por exemplo, os linchamentos eram tipicamente motivados por histórias de mulheres brancas que teriam sido estupradas por homens afro-americanos. Essas histórias eram contadas para suscitar uma empatia real naqueles que acabavam cometendo os assassinatos. E, na Alemanha da década de 1930, os ataques contra os judeus eram motivados muitas vezes por histórias de pedófilos judeus vitimizando crianças alemãs. Era fácil para as pessoas criarem empatia pelas crianças e suas famílias.
Atos de violência e crueldade não costumam ser cometidos por pessoas sem emoções ou sentimentos morais; eles são executados por pessoas com emoções fortíssimas e respostas carregadas de empatia. Não tenho ideia do que se passava com o atirador que entrou naquela pizzaria em Washington, D.C. [Comet Ping Pong, no dia 4 de dezembro], mas eu não ficaria surpreso se ele fosse alguém com sentimentos profundos de que algo terrível estava acontecendo lá.
P: Você sugere no seu livro que um dos modos de mitigar a empatia é procurar os fatos, mas vivemos num mundo em que os fatos são inventados, manipulados ou ignorados. Como podemos lutar contra essa onda pós-factual, ou é assim que são as coisas mesmo agora?
R: Se eu acreditasse que as coisas têm que ser assim mesmo, eu teria desistido. Mas não. Eu acredito que é possível persuadir as pessoas. Acredito que somos capazes de ter emoções e tentar ainda assim tomar decisões morais racionais e temperadas. Acredito que uma pessoa é capaz de reconhecer seus preconceitos e saber que não deve deixar que elas tenham um efeito sobre o resultado de suas decisões.
O problema mais geral é a política da empatia. Já que, por lei, agora todas as conversas precisam mais cedo ou mais tarde voltar para o assunto Donald Trump, vamos considerar então o nosso presidente eleito: Ele é o líder dos nossos tempos que mais teve sucesso em usar o poder da empatia. Regularmente ele se vale do sofrimento das pessoas para despertar respostas empáticas do seu público, como quando falou da jovem que foi morta por um imigrante ilegal.
Atos de violência e crueldade não costumam ser cometidos por pessoas sem emoções ou sentimentos morais; eles são executados por pessoas com emoções fortíssimas e respostas carregadas de empatia.
Talvez ele seja um exemplo extremo, mas vale a pena lembrar que a empatia é uma ferramenta que todos os políticos usam para argumentar a favor de tudo que eles querem. Todos os lados a manejam como uma arma: a empatia pelas mulheres vs. a empatia pelo feto, a empatia pelo imigrante vs. a empatia pelos desempregados, e assim por diante. Cada lado expõe a sua vítima – o cara que teve a vida arruinada pelo “Obamacare” [como é chamado popularmente o sistema de saúde público dos EUA instaurado durante o governo Obama] e o cara que teve a vida salva pelo “Obamacare”. É um jeito imbecil de legislar, porque toda legislação tem pessoas que saem ganhando e pessoas que saem perdendo.
P: Se os nossos próprios líderes procuram uma agenda política mais empática e menos racional, como podemos corrigir isso?
R: Não aceitando o ponto de vista de que vivemos num mundo pós-factual. Isso seria o mesmo que aceitar o racismo, o machismo e a crueldade como coisas com as quais precisamos ser cúmplices. Não precisamos. O racismo, o machismo e a crueldade refletem um fracasso no uso da razão e da racionalidade. Nós fazemos o nosso melhor quando tentamos pensar de forma cuidadosa e imparcial, quando pesamos os custos contra os benefícios. Quando nossas decisões são tomadas pela emoção, seja ela o desejo sexual ou a vergonha ou a culpa ou até mesmo a empatia, nós nos tornamos piores.
E é importante também exigir argumentos com base em números. Precisamos desenvolver as práticas sociais e culturais adequadas de modo que os apelos à empatia e às emoções sejam vistos como ridículos.
P: O que você diria para aqueles que afirmam que o problema do ciclo eleitoral de 2016 foi uma completa falta de empatia pelo outro lado?
R: É claro que, se mais pessoas que moram em certas áreas tivessem votado Clinton, ela teria vencido, mas não acredito que haja qualquer motivo para acreditar que ela perdeu porque ela não criou empatia o suficiente com esses eleitores. É mais provável que eles não tenham gostado dela ou das suas políticas. Eles não acharam que ela representaria os seus interesses.
P: Depois dessa última eleição, muitas pessoas ficaram apreensivas com as reuniões de fim de ano. O que você diria às pessoas que estão se reunindo com familiares e amigos que votaram diferente delas?
R: Para alguns, será extremamente irritante entrar numa sala cheia de gente feliz com a vitória de Trump ou deprimida com a derrota de Clinton, mas nós somos pessoas distintas umas das outras. A empatia requer uma certa quantidade de arrogância da parte de um eleitor de Clinton que acha que consegue se pôr no lugar de um eleitor de Trump, e vice-versa. Felizmente, há alternativas.
Se você quiser saber da vida ou da experiência de alguém, então pergunte e leve a sério a resposta. Nós não precisamos de empatia. Precisamos de amor, bondade e compaixão. Sem isso, estamos ferrados de verdade.
*Neda Semnani é escritora freelancer e ex-colunista da coluna “Roll Call”. Já teve textos seus publicados na Week, Life Sentence, Baffler Blog, LA Review of Books, Washington City Paper, BuzzFeed e outros.
Tradução: Adriano Scandolara