Oliver Sacks está morrendo. Mas não do jeito que todo mundo, de certa forma, está: um pouco a cada dia. O neurologista escritor sofre de câncer e sabe ter mais algumas semanas, talvez meses, de vida. “Não acho que vou viver até meu aniversário de 83 anos”, disse ele, num texto publicado no fim do mês passado pelo “New York Times”, pouco depois de completar 82.
Editor da “Review” inspirou pesquisas
A revista “New York Review of Books” e o editor dela, Bob Silvers, desempenharam papéis importantes na vida de Oliver Sacks
Leia a matéria completaEm dezembro do ano passado – antes do diagnóstico –, Sacks concluiu seu livro de memórias, “Sempre em Movimento”, que a Companhia das Letras acaba de publicar no Brasil, com tradução da curitibana Denise Bottmann.
Um ou dois resenhistas me viam como um especialista no ‘bizarro’ ou no ‘exótico’, mas eu sentia o contrário. Considerava meus relatos de caso ‘exemplares’ – agradava-me muito a frase de Wittgenstein, de que um livro devia consistir em exemplos – e esperava que, ao descrever casos de especial gravidade, seria possível talvez elucidar não só o impacto e a experiência de ter transtornos neurológicos, mas também outros aspectos cruciais, talvez inesperados, da organização e do funcionamento do cérebro.
O tom do livro não tem nada a ver com a série de textos que ele tem publicado na imprensa americana – textos emocionais em que se despede de coisas e de pessoas, mas principalmente da vida.
No último dia 14, mais um relato de Sacks saiu no “Times”. O escritor relembra eventos de infância, os hábitos judaicos do vô, de um tio bastante ortodoxo e dos próprios pais (principalmente o de guardar o sábado, o sabá). Logo salta para o presente, fala da viagem que fez para visitar uma prima em Jerusalém, sobre a apreensão de apresentar seu companheiro para a família, e chega ao câncer.
O desfecho é arrebatador: “E agora fraco, ofegante, os músculos que eram firmes dissolvidos pelo câncer, percebo cada vez mais meus pensamentos alcançando uma sensação de paz – não de modo sobrenatural ou espiritual, mas no sentido de ter vivido uma vida boa e significativa. Percebo meus pensamentos vagando em direção ao sabá, o dia de descanso, o sétimo dia da semana, e talvez também o sétimo dia de uma vida, quando se pode sentir que o trabalho está terminado e se pode, com a consciência tranquila, descansar”.
Oliver Sacks. Tradução de Denise Bottmann. Companhia das Letras, 360 pp., R$ 59,90.
No livro de memórias, Sacks não escreve sobre essa percepção do fim. Ele prefere passear por eventos pessoais e profissionais, comentando as pesquisas e os livros que resultaram delas como se falasse dos bastidores do trabalho. Paradoxalmente, “Sempre em Movimento” funciona mais como uma porta de entrada para a obra de Sacks e menos como uma forma de iluminar o que ele escreveu – algo que livros de memórias procuram fazer com frequência.
Você vai ler sobre os percalços do trabalho clínico, as perseguições que sofreu de colegas invejosos e as pessoas extraordinárias que conheceu. Há também bastante espaço para os elogios e o reconhecimento que conquistou ao longo da carreira – e ele insiste tanto nesses pontos que chega a ser um pouco enfadonho.
Mas ainda é um livro de Oliver Sacks e isso significa que existem várias sacadas boas para animar a história, como quando fala dos pacientes com Tourette, das descobertas ligadas ao córtex cerebral e do método de trabalho do ator Robert De Niro (que fez “Tempo de Despertar”, ao lado de Robin Williams, baseado no livro mais famoso de Sacks).
“Um ou dois resenhistas me viam como um especialista no ‘bizarro’ ou no ‘exótico’, mas eu sentia o contrário. Considerava meus relatos de caso ‘exemplares’ – agradava-me muito a frase de Wittgenstein, de que um livro devia consistir em exemplos – e esperava que, ao descrever casos de especial gravidade, seria possível talvez elucidar não só o impacto e a experiência de ter transtornos neurológicos, mas também outros aspectos cruciais, talvez inesperados, da organização e do funcionamento do cérebro.”
“Enchi de novo o pires e voltei com um naco de peixe, e assim se selou um pacto tácito, mas muito claro: ela [a gata] ficaria comigo, se déssemos um jeito de vivermos juntos. Arranjei uma cesta para ela e pus em cima de uma mesa na varanda da frente, e na manhã seguinte fiquei contente em ver que a gata ainda estava ali. Dei-lhe mais peixe, deixei uma tigela de leite para ela e fui trabalhar. Dei um aceno de despedida; creio que ela entendeu que eu voltaria mais tarde.”
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