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Houellebecq escreve romance para retratar “um sonho ruim”. | Divulgação
Houellebecq escreve romance para retratar “um sonho ruim”.| Foto: Divulgação

Lançado na França no mesmo dia dos ataques terroristas de janeiro, o romance do escritor Michel Houellebecq, Submissão (Alfaguara), provocou uma onda de polêmicas. A trama fala de François, um professor universitário que se converte ao Islã por razões nada religiosas. Na França de 2022, o líder de um partido muçulmano moderado vence as eleições presidenciais. O novo governo impõe a poligamia e impede as mulheres de trabalhar. “O Islã se tornou um tema quente na França”, diz o autor.

O senhor se surpreendeu com a reação provocada pelo romance? O livro foi muitas vezes tratado como um ensaio islamofóbico.

Não é um ensaio. Poderia ser um romance islamofóbico, mas também não é o caso, na medida em que não há muitos personagens muçulmanos. Há, sobretudo, pessoas com ambição, e que escolhem o campo do Islã porque lhes parece um lado vencedor. Mas a reação foi decepcionante para mim. As questões relacionadas ao Islã intoxicam gravemente hoje o pensamento francês. É algo que não para de aumentar. O Islã se tornou realmente um tema muito quente na França.

Críticos definiram o livro como uma “sátira repleta de humor”, mas também como uma história sobre o medo e a solidão.

Eu utilizo realmente o medo. É essa sensação que se tem de que alguma coisa se passa, mas não se sabe exatamente o quê. Mas medo talvez seja uma palavra um pouco forte. Na quarta capa do livro, usam a expressão “um sonho ruim”, que me agrada. Um sonho ruim é algo bastante singular: não é um pesadelo, mas pode se tornar um pesadelo a qualquer momento. É um pesadelo potencial. Eu escrevi um romance no qual o personagem principal perde tudo. A namorada, depois o trabalho... E aparece alguém para lhe propor muitas coisas; um verdadeiro status profissional, respeitado; uma mulher, ou mesmo várias, enfim, um todo bastante tentador.

Essa situação de sonho ruim que pode se tornar um pesadelo é consequência de uma civilização Ocidental em decadência?

Há esta sensação de que algo de ruim poderá acontecer, sem que se saiba exatamente o quê. É o desconhecido. No livro está praticamente escrito assim, que o Ocidente ruma na direção de algo caótico, violento e imprevisível. Não se trata de um pessimismo extremo. Podem-se imaginar cenários bem piores.

Por exemplo?

Pode-se imaginar que, entre os muçulmanos, os extremistas superem os moderados. Ou que oponentes igualmente violentos ao Islã comecem a se manifestar, como o norueguês Anders Breivik (de extrema-direita, autor do massacre de 77 pessoas em 2011), que permanece como um caso isolado.

Quando houve os atentados, o senhor passou uma semana protegido na casa de um amigo. O que passou pela sua cabeça? O senhor perdeu o amigo Bernard Maris no Charlie Hebdo.

Não conseguia me desconectar do noticiário. Passava os dias grudado na tevê, sem nem mesmo conseguir pensar algo em uma escala maior. Não me dava muito conta de que era verdade. Não foi como no 11 de Setembro em número de mortos, mas atuou muito na sideração dos franceses o fato de o jornal ter sido atingido, mesmo sob proteção.

O senhor aponta o fim da esquerda, a morte da República e a falência da democracia representativa...

Penso que a democracia representativa é uma fórmula ruim, mas os políticos franceses se agarram ao poder. Jamais concederão uma democracia direta. A não ser por meio de uma verdadeira revolução. As pessoas se abstêm cada vez mais nas eleições, e querem que o voto seja obrigatório. Se as pessoas não votam, é porque nada lhes agrada. E a minha tese é a de que elas não querem ser representadas, mas consultadas diretamente. Há uma crise política. E é diferente em todos os países europeus. São todos concebidos no mesmo modelo: dois partidos vagamente à esquerda e à direita que vencem um ao outro. Na França não funciona mais.

O senhor mantém seus prognósticos de que a eleição presidencial de 2017 será vencida pelo conservador Alain Juppé, e a de 2022 pela líder de extrema-direita Marine Le Pen?

Para mim, é o cenário mais provável, embora meu livro se sustente em uma hipótese diferente. No caso de Sarkozy ser candidato, François Bayrou (do centro) concorrerá, e ( o presidente François) Hollande poderá vencer. Não é algo improvável que Hollande se reeleja. O que seria estranho, porque os franceses estão cada vez mais à direita. Hollande é uma catástrofe. Mas os franceses não votaram em Hollande, e sim por não suportar mais Sarkozy. E se eles votarem em Juppé, não será pelo fato de gostarem dele, mas por não aguentarem mais Hollande. A situação política é doentia neste país.

O senhor defende a saída da França da UE. Por quê?

Nunca fui a favor da Europa. É algo mal definido. Não há unidade que se possa claramente qualificar de Europa. As pessoas em geral não sabem que países estão ou não na Europa, quais usam o euro. Não penso que tenhamos os mesmos interesses.

Como o senhor analisa este “declínio” europeu que descreve?

Penso que o sentimento de declínio é talvez mais forte na França. A ideia de De Gaulle ainda é muito presente. O fato de ser um país independente, de ter uma política que pode contradizer a dos EUA, enfim, de se sentir uma grande potência independente, mas que neste meio tempo se fundiu com a Europa. Os franceses vivem uma sensação de uma grandeza perdida. E sofrem. Os governantes tentam impor um projeto europeu, de uma parte, e multicultural, de outra, o que desagrada aos franceses.

Para escrever o romance, o senhor leu o Alcorão. E diz que a leitura mudou sua visão do Islã...

Ao ler o Alcorão, pode-se imaginar uma coexistência completamente plausível entre o Islã, o cristianismo e mesmo o judaísmo. Mas quando disse isso pela primeira vez, talvez não tenha refletido o suficiente, pois um praticante muçulmano não deve ler mais o Alcorão do que os católicos leem a Bíblia. O que conta não é o Alcorão em si, mas o discurso dos imãs. O ideal seria ter um partido muçulmano, e a figura de uma papa muçulmano, mas é algo que me parece bastante difícil.

O senhor permanece sob proteção policial?

Sim. Sou protegido por dois policiais. Não sou o primeiro escritor a receber proteção, mas é estranho. A liberdade de expressão diminuiu na França. Eu não renuncio. E foi por isso que muitas pessoas foram às ruas após os atentados. Eu não penso que “Charlie Hebdo” tenha ido longe demais.

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