Para Mário Quintana, “a gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.” Foi mais ou menos assim, num misto entre rebeldia, autoconhecimento e aventura, que a fotógrafa, advogada e doutoranda em Direitos Humanos Mariana Carpanezzi se jogou, de bicicleta, na estrada – lugar em que, enfim, todo mundo é igual.
Por que de bicicleta? “Porque a bicicleta não tem cortinas. A janela é você”, escreve ela no interessantíssimo “O Mundo Sem Anéis”, resultado da pedalada de mais de cinco mil quilômetros pela Costa Oeste da França, Espanha e Portugal, entre junho e setembro de 2013.
“Somos uma espécie diferente e ridícula. Cada experiência já vem com o futuro guardado no bolso. Como se faltasse sentido quando não existe finalidade. Estudar para ser alguma coisa quando acabar. Casar e ser amado para sempre. Amigos são para te entender. Viajar com porto de chegada. Cada gesto acorrentado a um objetivo. Nossa inocência domesticada na coleira do final.”
O livro, editado pelo selo independente Longe, será lançado nesta quinta-feira (17), na Bicicletaria Cultural. A obra vai além do relato de viagem e apresenta memórias da autora, insights diversos – sobre estrelas cadentes, praias de nudismo e bicicletas – e pequenos tratados filosóficos. Alguns textos flertam com o concretismo, influência direta de Mariana, fã de Arnaldo Antunes, João Cabral de Mello Neto e dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Ela também cita o livro “Do Que eu Falo Quando eu Falo de Corrida”, de Haruki Murakami, como empurrão extra.
Há ilustrações de seu próprio punho no lugar de fotos. E simpáticos mapinhas estilizados que ajudam a situar o leitor. “Uma amiga disse que quem faz viagem de bicicleta está procurando alguma coisa. Mas eu estava de saco cheio mesmo. Queria distância e tempo para poder ver as coisas de longe”, explica Mariana, nascida em Belém, radicada em Curitiba, moradora de Brasília (tem um cargo importante na Secretaria dos Direitos Humanos) e doutoranda em Genebra, na Suíça.
Mariana Carpanezzi. R$ 40. Lançamento na Bicicletaria Cultural (R. Presidente Faria, 226). Dia 17, às 19h30.
Durante a viagem, escrevia em computadores públicos de cidadezinhas por onde passava. Atualizava um blog. A boa literatura que escrevia servia para avisar que “estava viva e bem”. Fez amigos para a vida toda. Um deles, alemão, virou seu namorado. Carregava poucas mudas de roupa, e cortava o sabonete ao meio para não pesar.
Não aprendeu a trocar pneu de bicicleta – nenhum furou durante a viagem de 100 dias. Mas sabe secar roupa na garupa da magrela. “Lavava a calcinha, as meias, pendurava e ia pedalando. Era minha favelinha.”
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