“As boas ideias fazem progredir a partir dos pontos de vista econômico, social e cultural. As ideias ruins, às vezes, nos fazem retroceder e nos orientam em direções erradas, nas quais acontecem desgraças, frustrações e sofrimentos. Mas as ideias estão sempre presentes, por isso é importante levarmos em conta e nos interessarmos por elas”, diz o escritor e ganhador do Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa na abertura da conferência que proferiu no evento Fronteiras do Pensamento, em maio desse ano.
As ideias são o ponto de partida para a narrativa autobiográfica de Llosa que, durante sua fala, mostra como mudou de crença política durante a vida e como a literatura também fez parte disso.
A primeira grande influência que teve na vida foi o livro A noite que ficou para trás, de Jan Valtin (pseudônimo do escritor alemão Richard Julius Hermann Krebs), que relata a militância comunista do autor em plena Alemanha Nazista. Na época com 15 anos, Llosa morava no Peru dominado por Manuel Odría, ditador que permaneceu no poder durante oito anos. Inspirado pelas ideias comunistas de Valtin, infressou na Universidade Nacional Maior de São Marcos, um dos focos de resistência às ditaduras na história do Peru.
Divergências ideológicas
Llosa militou durante um ano no Partido Comunista, mas teve divergências ideológicas com os colegas. O escritor entrou então em contato com as obras dos existencialistas franceses, filósofos como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus e Maurice Merleau-Ponty, que eram de esquerda sem necessariamente se identificar com o partido comunista ou com o marxismo.
Nesse momento, o Prêmio Nobel cita o livro “O que é literatura?” de Sartre: “Me fez perguntar se essa vocação literária que eu descobri em mim quando era quase um menino seria possível num país como o meu, com desigualdades gigantescas, com uma minoria desfrutando de privilégios extraordinários enquanto as maiorias estavam muito empobrecidas e marginalizadas. Este livro me deu uma resposta positiva. Ele dizia que a literatura não era gratuita, pois as palavras são atos e feitos, e têm uma consequência na vida real”.
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Leia a matéria completaLlosa pôde reafirmar sua crença na esquerda no final dos anos 50, com a Revolução Cubana. “O que eu vi em Cuba me impressionou. Provavelmente, eu não vi tudo o que acontecia, mas o que eu vi me emocionou muito: uma cidade com um povo mobilizado, que parecia esperar a invasão do país mais poderoso da Terra, e estava disposto a lutar por uma revolução que havia convertido os quartéis em escolas”, relata sobre sua visita ao país em 1962.
Desencanto
O peruano visitou a ilha cinco vezes na década de 60, mas não manteve o mesmo entusiasmo que o início. No que chamou de “desencanto lento mas constante”, relata como viu situações de repressão com as quais não concordava: desde repressão a homossexuais a proibição da liberdade de expressão, a realidade de Cuba se distanciava cada vez mais da imagem que Llosa tinha de um país igualitário.
Dessa desilusão seguiram algumas ações, como uma reunião de escritores com Fidel Castro e a escrita de artigos criticando as ações de países comunistas. Acusado de ser contrarrevolucionário, acabou rompendo suas relações com Cuba e com o socialismo. “Foi um período no qual eu me senti órfão. Tinha abandonado algo que, durante muitos anos, tinha me dado uma segurança no campo político”, explica.
Uma outra leitura fez com que Llosa repensasse sua postura: “O Ópio dos Intelectuais”, de Raymond Aron: “Aron dizia: a democracia é imperfeita e frequentemente impregnada de corrupção. No entanto, ela criou as sociedades mais civilizadas da história. E é o sistema que reduziu mais a violência”, completa Llosa. Outro texto mencionado pelo peruano é “O Homem Revoltado”, de Albert Camus.
Não existe paraíso na Terra
Por fim, o autor se posiciona contra qualquer tipo de governo totalitário e a favor da democracia. “Acabei aceitando que a democracia não era a máscara da exploração, como havia acreditado antes e como acreditavam os socialistas latino-americanos daquele tempo. A democracia efetivamente partia do pressuposto de que o paraíso não pode ser criado na Terra em termos sociais, mas que se podia ter sociedades aperfeiçoáveis e capazes de reconhecer os seus erros e corrigi-los”, afirmou.
Para o autor, as recentes manifestações políticas na América Latina são um movimento anticorrupção que não depende do posicionamento político: “existe um sentimento de desgosto em relação ao abuso do poder. O combate à corrupção deve vir de todos, de partidos de esquerda e direita. Aliás, as diferenças entre direita e esquerda são cada vez menos drásticas”, diz.
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