Saber explorar o lirismo contido nas palavras com a intenção de esculpir a escrita tal como uma delicada obra de arte é meio caminho andado para fazer com que um livro seja bom.
Nesse quesito, a nova publicação da escritora Leticia Wierzchowski, “Navegue a Lágrima”, consolida-se sem hesitações.
Lançado em abril pela editora Intrínseca, a obra da romancista gaúcha é um sopro de alucinação, que atordoa o leitor apressado em descobrir se os fatos que se passam na história extrapolam ou não a “verdade” dos fatos.
“Escrever é uma coisa curativa”
Entrevista com a escritora e roteirista Leticia Wierzchowski
Leia a matéria completaExplicando melhor: na trama de Navegue a Lágrima, Heloísa, a narradora-protagonista, decide recontar parte da história de sua vida a partir da interação que estabelece com uma família que supostamente não existe mais.
Após perder seu segundo marido, ela se muda para a antiga casa de verão da família Berman e, ali, anos depois, passa a ser testemunha de fatos perdidos em um espaço e tempo passados que nem ela mesma é capaz de distinguir.
“Aos poucos, compreendi. Eles estavam em outro tempo, eu não sabia dizer quando. Diante dos meus olhos, desenrolava-se uma tarde em família, uma tarde havia passado mais de dez anos e que, por algum misterioso desencaixe da roldana do tempo, viera dar ali no meu jardim, como uma folha caída de uma árvore distante que, ao ser soprada pelo vento, vai para longe, para muito além de sua origem”.
O desafio metafísico encarado pela narradora, que também é a personagem principal do livro, é o que move a história do livro. Para leitores mais céticos, é possível entender que tudo não passa de situações imaginadas por Heloísa– quase que um devaneio – para tentar controlar o desespero que dominou sua vida depois da morte de Lucas, seu segundo marido.
Livro
Leticia Wierzchowski. Intrínseca, 208 pp. R$ 34,90 e R$ 17,90 (e-book).
Aliás, a narradora conta sua história de vida paralelamente à história dos Berman. Por isso, o livro recria os fatos em uma narrativa não linear, que intercala capítulos entre um caso e outro, até que, ao final, os dois se fundem em um universo único, que é o de aceitação de que, na vida, “tudo começa de novo, sempre”.
“Navegue a Lágrima” é uma obra bem característica de Leticia Wierzchowski – autora de 11 romances e novelas, além de uma antologia de crônicas, e que atingiu grande notoriedade com “A Casa das Sete Mulheres”, obra que foi adaptada em minissérie homônima, exibida em 2003.
Além de entrar no campo de temas delicados, como morte, fim e recomeço de relacionamentos, família, e também de aspectos da cultura polonesa, sempre presente em suas obras, a autora agarra a atenção do leitor pela delicadeza e também pelo desembaraço com que estrutura suas narrativas, recheadas de descrições de bom gosto, que aferventam a imaginação de quem lê.
Embora não seja sua melhor produção, Leticia reafirma a sofisticação literária neste romance.
Com um jogo de cintura capaz de afastar a história do lugar-comum, ao partir para uma história leve, mas requintadamente estruturada, a autora mostra porque é considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras da atualidade.
Conanda aprova aborto em meninas sem autorização dos pais e exclui orientação sobre adoção
Piorou geral: mercado eleva projeções para juros, dólar e inflação em 2025
Brasil dificulta atuação de multinacionais com a segunda pior burocracia do mundo
Dino suspende pagamento de R$ 4,2 bi em emendas e manda PF investigar liberação de recursos