Bailarina diletante (fez aulas por quase dez anos), Julia Wähmann sempre teve uma relação estreita com a dança. Assistia regularmente a novas encenações, acompanhava a trajetória de grupos e companhias do momento, mas foi só em 2011, ao ver pela primeira vez ao vivo o espetáculo “Ten Chi”, do Tanztheater Wuppertal - a companhia da lendária coreógrafa alemã Pina Bausch, falecida em 2009 -, que teve uma revelação. Ainda desconcertada depois que o pano caiu e a sala do Teatro Municipal se esvaziou, ela permaneceu alguns minutos imóvel em seu assento, sem conseguir se levantar.
A partir daí, o trabalho de Pina entrou com força em sua vida - e, especialmente, em sua escrita. Primeiro, virou tema de pesquisa em um curso de Letras na PUC-RJ em 2013. Agora, é a principal referência de seu primeiro romance, “Cravos”, que será lançado nesta segunda-feira.
“Depois dessa experiência (de assistir ao espetáculo), não poderia escrever sobre outra coisa”, diz a autora, de 34 anos. “Ou poderia, mas possivelmente o resultado seria bem diferente, mais racional e frio, tudo o que dança da Pina não é. Ao falar dela, a coisa perde o controle. É um entendimento que passa mais pelo corpo e menos pela cabeça.”
O universo do Tanztheater já surge de cara no título, alusão às pétalas que cobrem o palco de “Nelken” (“cravo”, em alemão), uma das principais obras de Pina. Mais do que uma simples referência, contudo, os cravos que os dançarinos pisoteiam ao longo do espetáculo também representam uma delicadeza ameaçada - imagem que permeia o livro de Julia. No início da história, um homem tira do bolso uma flor despedaçada, gesto que emociona a narradora e dá largada a uma série de encantos, frustrações e desencontros.
CRAVOS
Autor: Julia Wähmann
Editora: Record.
Páginas: 144.
Preço: R$ 29,90.
Em capítulos curtos e impressionistas, que se sucedem como uma coleção de instantâneos, Julia transforma cenas e acontecimentos banais em coreografia. Repleta de elipses, a leitura pula do frenesi do Carnaval carioca à melancolia chuvosa de uma cidade alemã, onde a narradora assiste a espetáculos de dança. Ao descrever os movimentos dos corpos, ela busca estabelecer relações entre o que vive e o que assiste no palco, dando sentido às suas experiências em uma realidade caótica. Assim, a cena do Carnaval que ocorre na página 38 se conecta com as descrições de “Café Muller” - outro clássico de Pina - que aparece na página 89.
“A minha tentativa foi fazer com que as cenas de dança pudessem contar ou recontar a história de amor da narradora”, explica a romancista. A dança se constrói a partir dos gestos e das intenções dos bailarinos, formando narrativas que podem parecer cifradas para o público.
Enquanto escrevia o livro, Julia lembrava dos comentários que costumava ouvir na saída dos teatros -”não entendi nada”, “que troço esquisito”, e outras manifestações de perplexidade com a dança contemporânea. Durante todo o processo, ela temeu que os leitores tivessem uma reação parecida diante das abstrações de seu romance.
“Como estou descrevendo cenas de um espetáculo, tem que ter uma boa vontade do leitor para tentar visualizá-las. Mas em algum ponto eu entendi que ninguém precisa visualizar tal e qual eu as assisti, até porque são lembranças, editadas pelo tempo e pelo impacto que me causaram na ocasião. Mais importante do que uma imagem fiel dessas coreografias era fazer com que elas dialogassem com as experiências da narradora.
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