“O Regresso” é o melhor livro sobre vingança que você lerá em muito tempo. A história inspirou o argumento do filme homônimo, de Alejandro G. Iñárritu, vencedor do Globo de Ouro de melhor filme, recordista de indicações ao Oscar 2016 e favorito ao prêmio.
Do filme, que estreia dia 4 de fevereiro, só vi o trailer. Me basta para afirmar que o livro de Michael Punke é diferente. Se você se incomoda em saber detalhes do roteiro (spoilers), pare de ler aqui.
A história é baseada num personagem real, Hugh Glass (1780-1833), e existem dezenas de livros, artigos e reportagens sobre ele espalhados pela internet.
O excerto do filme exibido nos cinemas mostra uma história melosa baseada num componente emocional universal – um destino nefasto de um filho – para justificar a formidável saga por vingança de Glass. No livro, a motivação é outra.
Glass era um aventureiro rude. Um tipo de figura que a conquista do oeste americano nos séculos 17 e 18 forjou. E que a literatura e depois o cinema transformaram em mito.
A história dele é famosa: nascido no final do século 18, Glass teve educação formal antes de se tornar marinheiro e depois pirata do grupo do lendário Jean Laffite. Também viveu alguns anos sobre a proteção de uma tribo indígena (os pawnee) e aprendeu muitas técnicas de caçada e sobrevivência.
Exímio atirador, Hugh Glass se tornou caçador e na segunda década do século 19 engrossou as fileiras da Companhia de Peles Montanhas Rochosas, criada para explorar comercialmente a natureza inóspita da região das fronteiras dos Estados Unidos com o México. As peles de animais moviam uma indústria.
Glass se destacou num grupo de cerca de cem homens que saiu de Saint Louis, para subir o leito dos rios Grand e Missouri até as montanhas rochosas. Território dominado por indígenas especialmente violentos, planícies geladas e montanhas intransponíveis.
Logo no início da expedição, Glass foi atacado por uma ursa que conseguiu abater com um tiro certeiro de seu rifle Angstadt.
Antes de cair, porém, a ursa arrebentou Glass. Com a garra desfigurou seu rosto, arrancou-lhe o couro cabeludo e pedaços das costas. Glass teve fraturas em vários membros e seus colegas de jornada ficaram com a certeza de que ele logo morreria.
O capitão do grupo pagou dois homens para acompanhar sua morte e dar-lhe um enterro decente para depois reunirem-se ao grupo. A dupla, no entanto, deixou à morte e ainda roubou seu rifle.
Acontece que Glass não morreu. Rastejando, e depois, recuperado por uma sequência de milagres, percorreu cerca de mil milhas atrás dos homens que o traíram e de seu rifle.
Misturando história americana com a melhor prosa de aventuras possível, o texto de Michael Punke é empolgante. No tema e na forma o livro é másculo, seco, sem frescuras.
As histórias de sobrevivência unem informação ao estilo dos melhores documentários da BBC a um tipo de narrativa heroica e sarcástica dos livros de Jack London e Mark Twain.
Punke também é um personagem interessante. Punke é jornalista profissional e diplomata, embaixador do Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio. Sua grande contribuição à humanidade porém é que ele talvez seja um dos maiores pesquisadores contemporâneos da história americana antes da Primeira Guerra.
Se o roteiro do filme optou por soluções edulcoradas, o texto do livro é deliciosamente grosso. E obrigatório para quem aprecia este tipo de literatura bem escrita.
Michael Punke. Tradução de Maria Carmelita Dias. Intrínseca, 272 pp., R$ 39,90.
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