Pensar e escrever sobre a língua parece um caminho natural para Sérgio Rodrigues: ficcionista, crítico literário e jornalista, tem oito livros publicados, entre eles o premiado romance ‘O Drible’, de 2013. Da coluna Mascando Clichês ao blog Melhor dizendo, Rodrigues pesquisa e fala sobre a língua há 15 anos. Veja na entrevista o que o jornalista aprendeu durante esses anos e como isso mudou a forma com que via a língua:
Como e quando você começou a falar sobre a língua?
Eu comecei a falar do ponto de vista do jornalista. Eu comecei com a crônica Mascando Clichê no Jornal do Brasil. Queria falar de linguagem, mas sem um aspecto gramatical ainda, mais como uma crônica. Esses textos viraram o livro “What língua is esta?”, de 2005. Depois comecei a pesquisar mais sobre o assunto, comprar livros e dicionários, inclusive os mais antigos. Fui me tornando um especialista nisso, na medida que um jornalista consegue ser um especialista. Com isso tive a oportunidade de ter um consultório gramatical mesmo, com uma atividade muito intensa de responder dúvidas dos leitores. Mas chego com um ponto de vista diferente do gramático tradicional começo a incluir sociolinguística nas respostas. O “Viva a Língua Brasileira” é fruto desse trabalho.
O processo de pesquisa mudou a sua forma de ver a língua?
Sim, principalmente a consciência que eu tinha de certas coisas. Antes de começar essa viagem linguística e gramatical, eu tinha uma visão do conhecimento das regras. Era uma visão muito normativa. Não ver mais a língua assim mudou e impactou minha maneira de trabalhar com a língua.
No livro você cita inúmeros dicionários e gramáticas. Como foi procurar essas fontes?
Eu uso uma variedade de fontes bibliográficas. Não uso nenhuma fonte rara, mas boa parte dos livros está completamente esquecida, principalmente a parte da fraseologia [estudo do contexto de uso de uma palavra ou expressão], que não é mais estudada mas muito interessante para a maioria das pessoas. O livro acaba trazendo várias fontes um pouco esquecidas. A maioria dos livros eu achei em sebos mesmo.
Qual a sua visão de língua e como você equilibra os diferentes pensamentos sobre língua que existem hoje?
O senso comum ainda é muito conservador em relação à língua. Existem vários mal-entendidos, como que o que não está na gramática está errado, que a gramática é uma coisa pronta, vinda do passado e que não muda nunca, que a língua não é feita pelas pessoas que falam, que a língua escrita é mais importante que a oral. Eu acho que essa visão conservadora se deve em grande parte aos meios de comunicação, que ajudam a propagar isso, mas também a uma falha de comunicação dos linguistas, que ainda não conseguiram passar seu recado. Temos um processo longo ainda para passar para as pessoas o que de fato é uma língua. Entender, por exemplo, que a norma culta deve ser ensinada nas escolas, que ela é valorizada socialmente e que precisamos dela nas entrevistas de emprego, nas provas, nos jornais. Mas temos que entender ainda que essa norma é historicamente determinada: ela não caiu do céu. Existe mais de uma forma de se falar, e uma pessoa que não domina a norma culta não tem nenhum tipo de deficiência intelectual. São muitos aspectos que temos que equilibrar. O que vejo muitas vezes é que as pessoas tendem aos extremos nessa discussão. Então quem defende um lado não quer saber dos argumentos do outro e vice-versa. Para mim é evidente que uma coisa não elimina a outra.
Você já se surpreendeu com alguma pergunta que você recebeu no consultório de gramática?
Sempre tinham coisas inusitadas e algumas até meio irrespondíveis. Eu lembro de uma pessoa que me perguntou como escrevia o nome dela. E é uma coisa constrangedora, o nome você escreve como quiser, como o seu pai registrou você. Existem até algumas sociedades que tem controle no cartório para escrita de nomes, mas no Brasil você registra como for e eu me recusei a dar um palpite sobre o nome dela porque o nome dela é o nome dela, não me senti autorizado a entrar nessa praia.
O que te surpreendeu mais durante a pesquisa?
Eu tive descobertas diárias. O fascinante de estudar uma língua é como ela não tem fim e ensina até uma certa humildade, certezas muito sólidas pertencem a quem não sabe muito.
Além das referências bibliográficas, você insere também poemas, músicas e referências populares no livro. Por que?
Eu queria que o livro tivesse uma leveza, acho que isso faz parte do modo com que abordo a língua. Tem informação, tem didatismo, mas não pode ter chatisse. E eu tive a ideia das epígrafes de poesia porque a poesia é muito intensa, ligada à essência de uma língua, muito mais do que a prosa. Queria então que poetas clássicos e novos, todos muito brasileiros, acompanhassem o percurso do livro. Tem uma certa tendência de jogar pedra na maneira com que escrevemos ou falamos, que diminui o português brasileiro, e eu quis aliar a língua a uma imagem bonita de poesia.
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