O italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) era controverso. Mais conhecido por suas obras cinematográficas de forte cunho político e ideológico – seu último filme “Salò” ou os “120 dias de Sodoma” (baseado na obra homônima de Marquês de Sade), de 1975, retrata uma história escatológica e assustadora vivenciada na República Social Italiana durante os últimos anos do regime fascista de Benito Mussolini –, também cometeu no campo da poesia. E fez muito barulho.
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Leia a matéria completaNo artigo “A Ideologia de Pasolini”, o escritor Alberto Moravia (1907-1990) escreve que a poesia civil decadentista de esquerda produzida por Pasolini na década de 1950 e 1960 foi revolucionária – antes a produção da poesia civil na Itália limitava-se à direita, com nomes como Foscolo, Carducci e D’Annunzio. Vivendo nas borgate de Roma (bairros localizados na periferia da capital) descobriu as sociedades subproletárias alternativas. Foi a partir da experiência antropológica nesses locais que começou a transformar seu modo de conceber a escrita: passou dos versos intimistas e bucólicos a escrita baseada na estrutura social e decadente das borgate.
Antiburguês, italiano foi contra o hedonismo e o capitalismo
Apesar de ter nascido numa família burguesa de costumes tradicionais, Pasolini sempre se opôs aos valores morais instituídos na sociedade protofascista.
Leia a matéria completaNo livro “Poemas”, organizado por Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias, as duas fases da poesia do cineasta e escritor italiano podem ser conhecidas e comparadas. A obra reúne uma seleção de poemas retirada de vários livros que Pasolini escreveu ao longo da vida. Com uma formatação estética experimentalista e temáticas que permeiam o existencialismo – o italiano refutava o hermetismo e a métrica –, a poesia de Pasolini foi amplamente influenciada por Rimbaud, García Lorca e Juan Ramón Jiménez.
Num primeiro momento, o autor adota a morte e questões mais empíricas na composição dos poemas. Em “Ao menino morto”, evoca uma paisagem que remete ao campo, além de metaforizar e associar a noite iluminada à morte. “Noite iluminada, no fosso/cresce a água, mulher grávida/vagueia pelo campo./Lembro-me de ti, Narciso, tinhas a cor/da noite, quando os sinos/dobram os mortos. A característica da primeira fase pode ser reforçada em “Litanias do jovem bonito”. “A cigarra chama o inverno/– quando canta/tudo no mundo clareia e para. Lá o céu é só sereno/– se vens aqui o que encontras?/Chuva, nuvens, choro do inferno.”
Pier Paolo Pasolini. Tradução de Maurício Santana Dias. Cosac Naify, 320 pp., R$ 59,90. Poesia.
A segunda fase pode ser notada no livro em poemas retirados dos diários de Pasolini entre 1943 e 1953, em que fica clara a adoção da temática civil e a influência do sentimento idealista pelas borgate “...as infindáveis/filas dos ciclistas, dos arquejantes/caminhões de madeira, se perdiam de tanto em tanto em centros de subúrbio/onde alguns bares já exibiam círculos/de luzes brancas, e sob a lisa/parede de uma igreja se estendiam/viciosos, os jovens.”
Pasolini era homossexual. Nas periferias de Roma teve casos com os subproletários, o que fez com que o italiano passasse a construir poemas inspirados em suas experiências sexuais nas borgate. Esse conjunto de ideais políticos e a sua intempestividade no cinema e na literatura fez dele um dos homens mais polêmicos da Itália, tanto é que os desdobramentos de seu assassinato ainda são um mistério.
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