Em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra baixou decreto proibindo os jogos de azar no Brasil.
A canetada extinguiu, de um golpe, a “noite” carioca que nas décadas anteriores girava com as roletas de grandes cassinos como o da Urca.
Mais do que parar a jogatina, a decisão de Dutra teve implicações culturais pesadas: tornou inviáveis os espetáculos de luxo, grandes e caros em que atrações “da casa” ou internacionais arrebatavam plateias de grã-finos encharcados de champanhe (e algum éter).
Social
Parte das informações no livro “A Noite do Meu Bem” foi extraída das colunas sociais escritas por gente como Ibrahim Sued e Fernando Lobo. “Peguei muita coisa desse material em geral esquecido, pois os historiadores raramente estudam as elites”, diz Castro.
Uma grande ressaca coletiva se abateu sobre centenas de músicos, cantores, dançarinas, coristas, barmen, crupiês e notívagos de plantão, atirados à rua da amargura.
Havia, porém, outro ciclo se formando. Desterradas, a música e a boemia (forças imparáveis) souberam migrar para um novo habitat: as boates de Copacabana. E nesses espaços pequenos à meia-luz, precisaram baixar o tom.
Picadinho
O samba-canção contribuiu também para a culinária nacional, graças a Max Stuckart, austríaco que foi cozinheiro do Copacabana Palace e, depois, dono do Vogue. Ele introduziu o estrogonofe, a feijoada e o picadinho no cardápio dos
grã-finos brasileiros.
Nas bandas, havia menos instrumentistas tocando em andamento médio, próprio para se dançar de “rosto colado”. Foi-se também o “dó de peito” dos cantores do rádio.
Esse novo gênero – um samba suavizado, de harmonia e melodias complexas e letras falando de amores possíveis ou não – era cantado de forma quase sussurrada.
Essa música, o samba-canção, e o rico contexto social e histórico que a envolve são matérias de “A Noite do Meu Bem”, novo livro de Ruy Castro. “Sentia falta de um livro que tratasse extensiva e intensivamente dessa época. Como não encontrei, só me restava escrevê-lo”, explica o autor.
Castro retrata um período de pouco menos de 20 anos (1946 a 1965), que pode ser dividido em três forças que se entrelaçam.
Há o cenário formado pelas boates de Copacabana – Vogue e Sacha’s entre elas – e seus ambientes sofisticados que se comunicavam com núcleos do poder na época, como o Palácio do Catete, os escritórios dos grandes industriais e as redações dos jornais.
Havia também as pessoas que as frequentavam, que tanto podiam ser os grã-finos de sobrenomes como Guinle e Matarazzo, políticos, diplomatas os artistas, os intelectuais e boêmios.
E havia a música riquíssima que fazia sucesso no rádio e servia de trilha sonora para as noites longas.
Ela era composta por Dorival Caymmi, Ary Barroso, Antônio Maria, Luiz Bonfá, Adelino Moreira, Ewaldo Ruy. E cantada por Dick Farney, Miltinho, Jamelão, Nelson Gonçalves, Dóris Monteiro, Nora Ney, Elizeth Cardoso e Dolores Duran. Para citar apenas alguns nomes.
Ruy Castro. Companhia das Letras, 544 pp., R$ 60. Biografia.
Ainda que muitas das letras dessas canções sejam lembradas pela temática triste (ou de fossa), Ruy Castro mostra que a coisa não era bem assim.
“As músicas todas falam do amor. E o amor compreende tanto a conquista como a perda. É por isso que o samba-canção resiste, pois fala de um sentimento pelo qual vamos passar: a dor e a glória de um grande amor”, diz o escritor.
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