Silviano Santiago não foi criado dentro de uma biblioteca por uma ‘injustiça’ geracional. “Já vou fazer 80 anos e, portanto, fiz parte de um Brasil muito diferente. Praticamente não havia bibliotecas”, conta. Em compensação, teve um mentor em Belo Horizonte, onde passou a adolescência após deixar o interior de Minas Gerais. “A minha primeira entrada no universo dos livros e em particular no universo da literatura foi através dos empréstimos de uma pessoa que eu chamo hoje de mentor, [o poeta] Jacques do Prado Brandão (1924-2007)”, relembra.
Essa e outras experiências serão divididas com o público da Biblioteca Pública do Paraná (Rua Cândido Lopes, 133) nesta quarta-feira, a partir das 19h30, na primeira edição da série de encontros “Um Escritor na Biblioteca” do ano. Em outubro, está confirmada a vinda do jornalista Zuenir Ventura.
Mil Rosas Roubadas
Santiago adapta uma frase do poeta Mallarmé francês para explicar como costurou o romance “Mil Rosas Roubadas”. “A frase célebre dele é ‘a destruição foi minha Beatriz (a grande musa de ‘A Divina Comédia’)’. Costumo dizer que a minha Beatriz (inspiração) é a fragmentação”.
O romance não tem estrutura simples: está contida ali parte de sua própria biografia e a do jornalista e produtor musical Ezequiel Neves, o Zeca, que, entre tantas atividades, lançou a carreira de Cazuza no Barão Vermelho.
Os dois se conheceram ainda adolescentes em Belo Horizonte e tiveram uma relação que se transformou em amizade longeva: durou até a morte de Zeca, em 2010. “Tentei trabalhar não a biografia de uma pessoa, mas o relacionamento de duas pessoas que são totalmente diferentes, ele, um .... loca e eu um professor universitário”, lembra.
A história é organizada por fragmentos. “Para compreender o que eu faço é preciso uma noção de acaso. A trama se desenvolve muito pela aproximação de acontecimentos, de descobertas e sentimentos que aparentemente são contraditórios”, explica.
Como a alternância de protagonismo no romance. Narrador e personagem se equivalem. “Essa é a graça do livro. Pouco a pouco, o narrador vai descobrindo que o personagem é mais forte”, resume.
“Também tive uma outra forma de me aproximar dos livros. Primeiro foi a anárquica, com os títulos que Jacques gostava e tinha em sua biblioteca. Depois foi a acadêmica, quando decidi fazer vestibular para Letras na universidade. Então, de repente, a literatura começou a ser vista de uma maneira mais racional”, lembra. A primeira grande biblioteca que conheceu foi no início dos anos 1960, quando foi fazer o doutorado na França.
Esse aspecto foi determinante para Santiago, habilidoso ensaísta, romancista, poeta e professor (aposentou-se pela Universidade Federal Fluminense). “Foi muito importante para mim, porque eu sou um ensaísta muito rebelde e, ao mesmo tempo, um ficcionista que não tem medo de trabalhar a trama em sua maneira mais sofisticada”, revela ele, que também cultiva uma biblioteca particular considerável. “Se entrar mais um livro, eu vou ter que sair”, diz, sobre seu apartamento de quarto e sala no Rio de Janeiro.
Trabalho rígido
Santiago ganhou no ano passado o prêmio Oceanos (antigo Portugal Telecom) por “Mil Rosas Roubadas”, romance publicado em 2014. No próximo dia 29, o escritor completa oito décadas de vida. “Infelizmente. Você pensa que é bom estar velho? ”, provoca. “Estou brincando. Continuo criativo. Trabalho muito”, ri.
E não é força de expressão. O escritor mantém uma rígida rotina de produção. “Sou uma pessoa meio religiosa no escritório [onde se dedica à leitura e à escrita]. Não tem biscoitinho, não tem garrafinha de água, não tem absolutamente nada. É para manter a atenção às coisas que estou fazendo”.
O mineiro diz que “vive de encomendas”, referindo-se aos inúmeros ensaios que escreveu paralelamente à ficção. Os trabalhos mais recentes são um romance sobre os últimos cinco anos de Machado de Assis e um ensaio sobre “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.
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