Ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livro (Anel) e apoiada por diversas instituições e intelectuais brasileiros, a Ação Direta de Inconstitucionalidade que pede o fim da autorização prévia para a publicação de biografias (ADI 4.815) será julgada nesta quarta-feira (10) no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Histórico polêmico
2002 - Estabelecido, o Código Civil brasileiro traz dois artigos que permitem interpretar a necessidade de que biografias só podem ser publicadas com autorização prévia.
Abril de 2007 - Roberto Carlos consegue tirar de circulação o livro “Roberto Carlos Em Detalhes”. Justiça alega que obra seria uma ofensa à honra e invadiria a privacidade do artista. Caso foi o mais discutido de todos os tempos.
Julho de 2012 - Anel recorreu ao STF para tentar derrubar a necessidade das autorizações. Apoiada por vários artistas e intelectuais, associação alega três principais motivos para a postura: censura, repressão do mercado editorial e ditadura da biografia única.
Setembro de 2013 - Um coletivo de escritores, jornalistas e membros da Academia Brasileira de Letras divulga um manifesto contra a autorização antecipada para biografias. Entre os apoiadores estão Ruy Castro, Zuenir Ventura, Luis Fernando Verissimo, Mário Magalhães, Ferreira Gullar e Cristóvão Tezza.
Outubro de 2013 - No lado contrário, forma-se o grupo Procure Saber, que defende restrições para as biografias. Na internet, o grupo divulga um manifesto defendendo o posicionamento. Entre os integrantes estão cantores renomados, como Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Djavan e Gilberto Gil.
Novembro de 2013 - Em meio a tanta polêmica, a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso Supremo Tribunal Federal (STF), media uma audiência pública para entender os dois pontos de vista.
Junho de 2015 - caso chega ao plenário do STF
A definição dos ministros deve encerrar definitivamente as polêmicas que evolvem o assunto – alvo de discussão desde 2002, quando tais publicações passaram a ser “controladas” pelo Código Civil.
Na época, nova regra estabelecida pela legislação definiu a possibilidade de proibir a “divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa”, em conteúdos expressos nos artigos 20 e 21 da constituição, que defendem também a vida privada como “inviolável”.
Desde então, a polêmica das biografias dividiu o país em dois grupos divergentes sobre o tema, bipolaridade que ganhou ainda mais fôlego em 2007, quando o cantor Roberto Carlos conseguiu tirar de circulação o livro “Roberto Carlos Em Detalhes”.
Lançado quatro meses antes da decisão judicial que cedeu aos argumentos do artista, a obra foi recolhida das prateleiras sob a alegação de que seria uma ofensa à honra e invadiria a privacidade do artista. Sem muito comentar o caso, o Rei, durante uma coletiva de imprensa para lançamento de um disco antes mesmo do caso ir aos tribunais, já tinha comentado que muitas coisas escritas na obra o desagradaram.
Liberdade ou privacidade?
No embalo dos conflitos sobre a questão, em julho de 2012 a Anel recorreu ao STF na tentativa de alterar o cenário das publicações biográficas no país.
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Segundo o ministro, a tendência é que a maioria do Supremo entenda que os artigos que hoje exigem liberação são inconstitucionais
Leia a matéria completaO argumento da instituição é que a exigência da prévia autorização é uma forma de censura privada, lesiva à liberdade de expressão dos historiadores e literatos e também prejudicial ao direito de informação de todos os cidadãos - com o que muita gente concorda.
“A autorização prévia é uma aberração. Um retorno aos sombrios tempos da censura”, comenta o historiador Daniel Aarão Reis, autor da biografia “Luís Carlos Prestes, Um Revolucionário Entre Dois Mundos”, lançado no fim do ano passado.
Ele conta que, mesmo apesar da exigência legal, a produção do seu trabalho foi independente. “Em momento algum solicitei autorização de quem quer que fosse e digo com satisfação que a maioria dos familiares de Prestes ajudou-me sempre com informações e interpretações”.
Outro ponto ressaltado por quem recrimina a autorização prévia são as possíveis distorções mercantis e culturais que podem ser geradas pela restrição. Na opinião da Anel, presos ao que determina a atual legislação, os mercados editoriais e audiovisuais ficam à mercê dos escritórios de representação, que veem nisso a oportunidade de “negociar” a preços abusivos as licenças para as obras, além de condenar o leitor a “ditadura da biografia única”,aquela autorizada pelo biografado.
De acordo com o presidente da União Brasileira dos Escritores (UBE), Durval Noronha, o impacto da postura é prejudicial à própria história do país.
“Isso prejudica a cultura nacional e prejudica a verdade histórica. Se depender da autorização do biografados nós estaremos falseando a verdade histórica”, defende. “É muito ruim para o país porqu vai contra nossas conquistar libertárias dos últimos séculos”.
Na outra ponta, artistas que concordam com o trâmite da autorização antes de publicar biografias se agarram na esfera do direito à privacidade para defender suas posturas. No fim de 2013, cantores renomados, como Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Roberto Carlos ( que já deixou o coletivo), Djavan e Gilberto Gil criaram a Procure Saber, associação voltada aos direitos dos criadores brasileiros e por meio da qual eles passaram a defender as restrições de biografias de personagens públicos.
“Nunca quisemos exercer qualquer censura. Ao contrário, o exercício do direito à intimidade é um fortalecimento do direito coletivo”, cita Gilberto Gil em um manifesto publicado pelo grupo em outubro de 2013.
Assim como este grupo de artistas, outras entidades apoiam a necessidade de autorização para a produção biográfica. Na terça-feira passada (2), a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu uma nota resguardando a intimidade e a vida privada dos cidadãos.
“A AGU, por sua vez, argumenta em manifestação encaminhada ao STF que a liberdade de expressão não deve ser exercida de forma a violar outros direitos fundamentais de igual hierarquia constitucional, entre eles o direito à privacidade, assegurado pelo artigo 5ª, inciso X, da Constituição Federal. Segundo o dispositivo da Carta Magna, ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’, declarou o órgão.
Responsabilidade
Ao justificar o ponto mais frágil de toda a discussão sobre as biografias (privacidade e intimidade), a associação que ajuizou o pedido de liberação no STF ressalta que a dispensa da autorização não implica em falta de responsabilidade dos escritores. Por isso, ainda assim, eles não poderão escrever tudo da forma como quiserem.
No documento enviado ao tribunal, a Anel explica que a proposta, como foi feita, não isenta o biógrafo da culpa em casos de abuso de direito, como o uso de informação sabidamente falsa e ofensiva à honra do biografado. Nesses casos será eventualmente cabível a responsabilidade penal ou civil do autor, esclarece a associação.
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