Um dos principais escritores da Alemanha hoje, Uwe Timm, de 75 anos, lançou no Brasil o best-seller “A Descoberta da Currywurst”, publicado em território alemão em 1993. O livro vendeu, segundo informações da editora, mais de 800 mil cópias em 20 países – 600 mil delas só na Alemanha, onde também deu origem a um filme, em 2008.
São vários os ingredientes que tornam o romance à altura de sua repercussão . Para começar, Timm, que é natural de Hamburgo, atiça uma divertida disputa simbólica com o tema de fundo de sua história. Baseado nas memórias de infância do narrador, o livro reivindica a invenção da currywurst para a cidade natal do autor anos antes da história oficial, que credita o prato nacional a uma cidadã de Berlim, Herta Heuwer – para os protestos hamburgueses.
Em “A Descoberta da Currywurst”, uma senhora chamada Lena Brücker, dona de uma barraquinha de lanches na Grossneumarkt (uma praça no bairro portuário), teria servido currywurst ao narrador em 1947, dois anos antes do registro oficial berlinense.
Depois, com tintas de sociologia, ele argumenta que a currywurst, por reunir ingredientes tão distantes, só pode ter sido uma descoberta, e não uma criação coletiva. Mais: ao unir “o distante com o próximo” – o curry em pó, desconhecido por lá até a época da guerra, e a wurst tipicamente alemã –, o prato seria uma invenção representativa de uma época de recomeço do país.
O prato
É o mais popular da Alemanha, uma espécie de fast food encontrada em todo lugar. Precisa ser consumido, conforme orienta Timm, “de pé, assim entre sol e aguaceiro, junto com um aposentado, uma garota junkie, um mendigo fedendo a mijo que conta a sua história de vida”.
A currywurst – cujas primeiras clientes são prostitutas da Brahmsstrasse, segundo a narrativa bem-humorada de Timm – é a metáfora desta reinvenção em meio a ruínas, à escassez, a uma ocupação estrangeira depois da queda de um regime autoritário. “Anarquia picante-adocicada”, conforme descreve.
Essa é a trilha das grandes questões contidas no livro. Com um estilo encantador, raramente Timm pesa a mão, mas o pano de fundo é a guerra e suas memórias: toques de recolher, sirenes antiaéreas, bombardeios. Por meio do romance, ele discute a relação dos alemães com o passado, a eventual colaboração da sociedade com o regime nazista, o choque com a revelação dos campos de concentração, a reinvenção engenhosa e penosa do país – 23 anos depois da publicação original de “A Descoberta da Currywurst”, a nação europeia que mais recebe imigrantes.
A receita
“Viu só, ela falava, jogando um pouco de curry na frigideira quente”, escreve Uwe Timm, “depois colocava uma salsicha de vitela fatiada, salsicha branca, dizia, terrível, e ainda vinha a mostarda doce. Chega a dar arrepio! Balançava-se toda demonstrando: argh, esparramava ketchup na frigideira...”
A história, no entanto, pertence a Lena Brücker, personagem forte, que narra em detalhes todos os elementos importantes para a invenção do prato – “um contramestre de marinha, um emblema prateado de cavaleiro, duzentas peles de esquilo siberiano, doze metros cúbicos de madeira, uma fabricante de salsicha viciada em uísque, um intendente e uma beldade ruiva ingleses, três garrafas de ketchup, clorofórmio, meu pai, um sonho acordado e muito mais.”
É a história de como ela, décadas antes, se apaixonou por um jovem desertor, que escondeu por semanas em seu apartamento, antes de tomar parte nas mudanças que viriam. Este quebra-cabeças de peças aparentemente aleatórias – estilo da própria currywurst – só se resolve mesmo no fim, e é fascinante como Timm dá sentido a cada uma delas. “A Descoberta da Currywurst” explica a Alemanha.
Uwe Timm. Tradução de Augusto Paim. Dublinense, 196 páginas, R$ 36,90. Romance.
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