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Ingressos para a palestra do escritor Valter Hugo Mãe em Curitiba se esgotaram em menos de uma hora | Mario Santos/ Divulgação
Ingressos para a palestra do escritor Valter Hugo Mãe em Curitiba se esgotaram em menos de uma hora| Foto: Mario Santos/ Divulgação

Livro

A Desumanização

Valter Hugo Mãe. Cosac Naify, 160 págs. R$ 34,90. Romance.

SERVIÇO

Litercultura – Palesta com Valter Hugo Mãe

Capela Santa Maria (R. Cons. Laurindo, 273 – Centro), (41) 3321-2845. Hoje, às 19h30. Ingressos esgotados. Um lote de reserva técnica será distribuído gratuitamente, a partir das 19h15, conforme a lotação do espaço.

Opinião

Ausência e desesperança permeiam romance "gelado"

Cristiano Castilho

Algo maluco esse mundo literário de hoje, em que um angolano radicado em Portugal escreve um romance que se passa na Islândia e vem falar sobre ele no Brasil. Mas não importa onde e quando, e agora nem como. Valter Hugo Mãe, com precisão de anestesista, continua a investigar o ser humano por dentro e principalmente sua relação consigo mesmo.

Em A Desumanização (Cosac Naify), seu mais novo romance, há gelo, escuridão, auroras boreais intermitentes. Frio eterno, e dor. É a morte da irmã gêmea de Halla o ponto de partida. Sigridur é enterrada, e cria-se a esperança ingênua, na cabeça da menina de 12 anos "menos morta", que um dia uma grande árvore floresça e de alguma forma a traga de volta. Como um pessegueiro.

Mas Sigridur, na verdade, nunca se vai. Sua imagem e semelhança se tornam um fardo para família descontinuada de Halla – seu pai, poeta menor, e sua mãe insensível, que tenta compensar a tragédia ao cortar fora um dos seios da menina semiviva, numa espécie de ritual.

Aliás, Valter Hugo Mãe passou três anos na Islândia antes de escrever o livro. Por isso não são poucas as menções à mitologia nórdica e à lendas do país longínquo. Personagens esplêndidos – como o pai das gêmeas, que acende a lareira com papéis em que escreve poesia; e uma tia que enxerga cores nas notas do órgão da igreja – novamente tornam-se inesquecíveis em poucas páginas.

A segunda parte do romance é uma espécie de redenção de Halla, que tenta se encontrar depois de perder sua metade. Com Einar, um jovem mal cheiroso e desgrenhado, tem um filho. Sabe-se que para Valter Hugo Mãe na maioria das vezes não há saída. E as histórias se repetem ad eternum, por mais trágicas que sejam. Halla perde a criança, que é jogada em um lugar misterioso, profundo e escuro chamado por todos de "boca de deus." É uma ótima metáfora para aquilo que não tem explicação.

É assim, aos tropeços e se despedaçando, que a menina-criança sobrevive. Ao final, um ato de coragem incendeia a vida da jovem. É como se de repente a Islândia, tão escura, fosse iluminada por uma rebeldia inesperada. Uma faísca de esperança.

Com referências e homenagens à cultura da terra de Björk – um personagem importante chamado Steindór lembra Steindór Andersen, poeta e colaborador do grupo Sigur Rós –, A Desumanização é um olhar sensível e mágico sobre a dificuldade da existência em um país autoconsumível, embora encantador. GGGG

Com 42 anos, Valter Hugo Mãe tem a camisa, segundo os padrões literários, de jovem romancista. O angolano de Saurimo, radicado em Portugal desde criança, além da precocidade ficcional, é um excelente poeta, cronista, proprietário do selo Quasi Edições, artista plástico e apresentador de televisão.

Múltiplo, Mãe – seu nome é Valter Hugo Lemos: o estranhamento estético do autobatismo acostuma – também ataca peculiarmente de compositor e músico. Além de DJ, é vocalista da banda de "rock" Governo, que, se não bastasse o incolor do nome, pratica um som, algo como um pós-fado, homogêneo: uma audição é suficiente.

À margem do que comete musicalmente, Mãe é, com mais de vinte livros lançados e quinze anos de carreira, uma das maiores acontecências da língua portuguesa do século 21. E não apenas isso. Sua voz (não a musical) consegue realizar um tipo especial de crossover: autor de grande potência formalista, um certo pessimismo e personagens memoráveis, capaz de se comunicar com diversos públicos, vender bem, zerar filas de ingressos e proporcionar fenômenos de devoção, principalmente no Brasil e entre as mulheres – são inúmeras as histórias pitorescas de sua passagem na Flip de 2011. Um sujeito popular, pela primeira vez em Curitiba.

Máquinas de fazer sentir

A estreia de Mãe-poeta remete a 1999. Como romancista, seu primeiro livro é nosso reino, de 2004. Mas é com o remorso de baltazar serapião que ele se inscreve em uma nova escala. Prêmio Literário José Saramago de 2007 – o bardo português dizia que Mãe o fazia se sentir diante de um novo parto da língua portuguesa–, a obra conta a trajetória de um homem simples, atormentado de ciúmes pela esposa, aos braços de um mundo arcaico.

Opressora, terrível e trágica, a natureza pré-humana de Baltazar, firmada por misticismos e crueldades, catalisa uma das páginas mais emocionantes da literatura universal – o que poderia até soar como despautério e excesso, mas não é, acredite. [E há uma vaca sensitiva.]

Em seguida, temos o não menos grandioso A Máquina de Fazer Espanhóis, de 2010, Prêmio Portugal Telecom de Melhor Livro do Ano. Aqui, ele se debruça, em tons autobiográficos, na vida de um senhor internado em um asilo após a morte de sua esposa. De um Esteves Sem Metafísica a uma amante de Cubillas, é tudo, como se diz no interior, de mastigar o coração. "A morte é como mesas servidas a convidados nenhuns". Se não bastasse, há um mergulho na complexa identidade portuguesa.

Após o encantador e engenhoso livro infantil O Rosto, é a vez do monumental O Filho de Mil Homens, de 2011, a história de um pescador que, aos quarenta anos, percebe que não tem filhos, assim como o Mãe-solteirão, por quem suspiram muitas mulheres tropicais. De órfãos a transexuais, temos um oceano afetivo de muita delicadeza, palavras orbitando o que temos de sonho e de tristeza – este barco de contradições a que chamamos de existência.

Dramas afetivos

15h45, 16 de julho. A Gazeta do Povo noticiava que estavam ao fim os ingressos para a palestra de Mãe na Capela Santa Maria. Foi o que bastou. Em menos de hora, acabaram os últimos 150 tíquetes (gratuitos), gerando ondas de comoção nas timelines da capital.

"Fiquei arrasada. Eu me programei o dia todo. Quando cheguei na Capela, não tinha mais", conta a escritora manauara Priscila Lira, que faz Mestrado em Estudos Literários na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O português foi até estopim de uma crise conjugal. Priscila diz que recentemente perguntou ao noivo como ele reagiria se Mãe e ela um dia "ficassem". Resultado: a maior discussão da história do relacionamento. "Quase rolou separação".

A sensação de frustração também atingiu a bibliotecária sem-ingresso Jacqueline Carteri, de Araucária. "Não sabia que tanta gente gostava dele". Ela tem todos os livros do autor publicados no Brasil. Quando soube de uma amiga a visitar Portugal, forçou-a a comprar a edição local de A Desumanização. "Como uso cadeira de rodas, pode ser que consiga um lugar na hora", completa, otimista.

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