Afastado das novelas há mais de dez anos, o escritor Mario Prata volta ao formato e à Rede Globo cercado de expectativas. O autor da clássica Estúpido Cupido (1976) está à frente de Bang Bang, que estréia amanhã no horário das 19 horas, substituindo A Lua Me Disse. Celebrado por seu humor inteligente, Prata promete satirizar o Brasil atual fazendo uso de personagens caricatos e situações pouco realistas.

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Sua nova obra é ambientada em um lugar totalmente fictício: Albuquerque, uma típica cidade do Velho Oeste norte-americano. Trata-se da terra natal do jovem caubói Ben Silver (Bruno Garcia), que há 20 anos perdeu sua família numa chacina e fugiu para não morrer também. Disposto a se vingar dos assassinos e mandantes do crime, ele volta à região para um acerto de contas. Mas acaba se apaixonando por Diana (Fernanda Lima), justamente a filha de seu pior inimigo, Paul Bullock (Mauro Mendonça).

Novelas paródicas não são uma novidade na teledramaturgia brasileira. De Saramandaia (1976) a Que Rei Sou Eu? (1989), passando pelas recentes Uga-Uga (2000), O Beijo do Vampiro e Kubanacan (as duas últimas de 2003), elas são o veículo perfeito para a crítica política, social e de costumes. "Nesse tipo de trama, a todo momento são traçadas metáforas com os acontecimentos contemporâneos", diz o dramaturgo e diretor Rubens Rewald, professor de roteiro da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). "O Bem-Amado (1973), por exemplo, falava sobre o coronelismo no interior do país. Já Que Rei Sou Eu? tratava da corrupção, do enriquecimento ilícito", acrescenta.

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Integrante do Núcleo de Pesquisa em Telenovelas (NPTN) da instituição, Rewald afirma que, ao descartar o real, as novelas mais maneiristas estão livres para explorar alegorias. Além disso, qualquer elemento ficcional se torna verossímil quando trabalhado em uma trama farsesca. "Você pode fazer o furacão Katrina passar por uma cidade fictícia, mas não pelo Rio de Janeiro", exemplifica.

Um ponto em comum entre os folhetins não-realistas é o extenso leque de referências apresentado por seus autores. Kubanacan brincava com a cultura pop. Saramandaia se apropriou do folclore regional. A supracitada Que Rei Sou Eu? fazia menções à Revolução Francesa. Para Rewald, esse tipo de informação não limita a compreensão do grande público. "A Revolução Francesa não faz parte do referencial médio do brasileiro e, no entanto, a novela foi um grande sucesso", justifica.

Mas há quem veja esse expediente como um risco em termos de audiência. A professora de Artes Cênicas Renata Pallottini, também do NPTN da USP, lembra que os espectadores das classes D e F rejeitaram As Filhas da Mãe (2001), espécie de chanchada moderna escrita por Sílvio de Abreu e Alcides Nogueira. "Por trazer muitas novidades, a novela não foi aceita pelo público menos favorecido, que lê e se informa menos", diz.

Seja como for, ambos os estudiosos vêem com bons olhos o retorno de Mario Prata ao texto de folhetim. "Estúpido Cupido marcou bastante, era uma novela de época diferente, charmosa", recorda Rubens. "O Pratinha, como ele é chamado, tem energia e escreve muito bem", elogia Renata.

A expectativa é de que Prata cumpra sua promessa de incluir muita crítica política na trama, ainda que, para a professora, o panorama atual não seja o mesmo de quatro meses atrás. "Acho complicado falar da crise em Brasília, um assunto já esgotado e totalmente exposto. Todo mundo sabe o que aconteceu, quem roubou. A sociedade agora espera o castigo", reflete. Renata também diz estar em dúvida com relação à empatia do par principal, formado por atores pouco conhecidos pela audiência.

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Rubens, por sua vez, só teme uma possível dificuldade do autor em se adaptar ao ritmo ágil das telenovelas recentes. "Antigamente, as cenas eram mais longas e cada capítulo trazia, no máximo, dois acontecimentos importantes. Hoje, acontecem dez coisas por capítulo, o espectador está mais inquieto", afirma. Mas, se depender da inspiração em fatos do momento, Mario Prata não terá maiores problemas. Ou alguém ainda duvida que o Brasil é uma verdadeira galeria de personagens absurdos?