Davi é possivelmente um dos personagens mais emblemáticos do Antigo Testamento — é o grande rei de Israel, abençoado por Javé e criador de um reino de mais de 400 anos. Mas e se na realidade Davi não tivesse matado Golias, não fosse pai de Salomão e tivesse matado o antigo rei Saul? Essas são hipóteses do pesquisador Joel Baden, professor de Yale e especialista no Antigo Testamento, apresentadas no livro “Davi - a vida real de um herói bíblico”, publicado no Brasil em abril desse ano.
As histórias de Davi ocupam 42 capítulos da Bíblia, entre Samuel 1,16 e Reis 1,2; e narram como o simples pastor se tornou um rei exemplar e herói de Israel. A proposta de Baden é fazer uma leitura crítica e atenta desse trecho bíblico para chegar na verdadeira história do personagem, criando assim uma biografia da figura bíblica.
Pela ausência de documentos e testemunhas do período, o autor usa a própria Bíblia como fonte histórica. É necessário, porém, considerar que os escritos são fortemente influenciados por onde, por quem e por que foram feitos. Como pesquisador, Baden propõe uma interpretação dessas intenções para separar os fatos históricos das apologias e exageros, já que considera que a história de Davi é tal como é por que foi escrita como uma maneira de defendê-lo de acusações de assassinato e exaltá-lo como herói ainda na época em que estava vivo.
História crítica
Baden chega em sua pesquisa a conclusões que podem ser controversas. A primeira delas é que Davi não teria matado o gigante Golias, já que a própria Bíblia credita o feito a Elanã em um momento posterior. Além disso, ele não teria escrito os Salmos, hipótese apoiada na tradução de algumas partículas lexicais referentes à autoria presentes nos cabeçalhos desses textos. Por fim, teria atuado como mercenário dos filisteus depois de ter fugido do reino de Saul e, logo em seguida, teria ao menos ajudado no ataque filisteu à Jerusalém e participado de alguma maneira da morte do rei, começando o novo reinado.
Baden questiona ainda a paternidade de Salomão, que supostamente não foi filho de Davi. O autor apresenta pesquisas que mostram que essa parte do texto bíblico teria sido inserida posteriormente - e na realidade Salomão seria filho de Urias, oficial do exército que teria relações com a rainha Betsabá.
Esse método de leitura da Bíblia empregado por Baden, denominado histórico-crítico, faz uma dissecação do texto procurando contradições, camadas e momento de autoria. “Existe uma necessidade de legitimação da história de Davi para manter no poder uma linhagem de 400 anos, que não seria aceita facilmente. É claro que boa parte da narrativa tenta justificar isso. O Davi como a Bíblia descreve não existiu mesmo”, explica Luiz José Dietrich, professor do programa de pós-graduação em Teologia da PUC-PR.
O método histórico-crítico pode se apoiar ainda em evidências externas, como a arqueologia, que podem fornecer provas que corroboram ou não as hipóteses formadas por essas leituras. Dietrich comenta, por exemplo, como as descobertas arqueológicas mostram que Jerusalém na época de Davi era uma vila pequena e pouco desenvolvida, enquanto a Bíblia descreve esse mesmo momento como um período de grande prosperidade e riqueza.
Davi e a religião
As afirmações de Baden parecem contrariar a fé, mas a verdade é que estudos científicos nem sempre influenciam a prática religiosa das pessoas. “Por mais que estudos científicos sérios e bem embasados sejam feitos, eles possuem um lugar no conhecimento científico e acadêmico que não necessariamente se sobrepõem à fé e à devoção das pessoas religiosas”, diz a professora de história da UFPR e pesquisadora de história da religião Karina Kosicki Bellotti. A pesquisadora lembra ainda que esse fenômeno já aconteceu com outras figuras bíblicas, inclusive com Jesus, sem que isso alterasse a fé.
O Davi lendário é mais uma estátua de mármore que uma personalidade viva, mais um símbolo que um homem. O Davi histórico, pelo contrário, é ambicioso, inteligente, persuasivo e ameaçador, nem sempre no poder, mas quase sempre no controle. Ele não é alguém que queremos imitar, mas uma pessoa que podemos respeitar.
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