Os fanáticos, aqueles que só dão uma olhadinha básica quando mudam de canal, e até mesmo os que o odeiam declaradamente têm que concordar: nenhum programa que resista a mais de duas décadas na TV brasileira, à base praticamente de reprises, deve ser visto como uma atração qualquer.
"Chaves" estreou no Brasil de maneira despretensiosa no dia 25 de agosto de 1984. No México, seu país de origem, já era sucesso desde 1971. Dos mais de mil episódios, o canal SBT comprou apenas 250. Isso poderia dar certo? Sílvio Santos era o único a comprar a idéia de colocar a atração no ar. E o ex-camelô acertou em cheio e conseguiu fazer de "Chaves" uma febre.
Levando em consideração dados como esses e outros mais instigantes, três amigos da faculdade de jornalismo da UniFIAAM, de São Paulo, Luís Joly, Fernando Thuler e Paulo Franco, resolveram entrar no universo do seriado e fazer um trabalho de conclusão de curso sobre a história do famoso personagem. Entusiasmados com o resultado, decidiram lançar o livro-reportagem "Chaves - Foi sem querer querendo?", da Editora Matrix. O que eles não esperavam é que, com menos de um mês nas prateleiras, o livro entrasse para a lista dos mais vendidos do país, segundo informações das principais livrarias nacionais.
- Estamos como uma banda de rock que consegue tocar sua primeira música nas rádios. É uma alegria muito grande. Sabíamos que existia essa lacuna no mercado. O "Chaves" é um fenômeno e ninguém ainda tinha parado para estudá-lo. Mas não esperávamos um retorno tão positivo e rápido - comemora Luís Joly.
Fãs assumidos do "Chaves", daqueles que almoçavam assistindo às reprises dos episódios (no Brasil, calcula-se que cada episódio já foi reprisado 40 vezes), os autores admitem que o seriado é precário e deixa a desejar em vários quesitos. Cenário pobre de recursos tecnológicos, linguagem simplória, assuntos banais. Nada disso conseguiu frear o sucesso da atração mundo afora. Após 21 anos no ar no Brasil, o público do programa já atinge uma terceira geração. Exibidos em diferentes horários no canal SBT - da hora do almoço à nobreza do sábado à noite - o programa atravessou a explosão das louras e enfrentou desenhos animados como "He-man" e "Thundercats", nos anos 80, competiu com "Cavaleiros do Zodíaco" e "Jaspion", nos anos 90, e chegou ao século XXI lado a lado de "Pokémon" e "Dragonball Z". Ou seja, é ou não um programa para o qual devemos tirar o chapéu?
O livro recorda o ano de 2003, período em que a emissora de Sílvio Santos ensaiou uma retirada do programa. Foi o suficiente para saturar linhas telefônicas e lotar correios eletrônicos. Os cinco mil pedidos exigiam o retorno de "Chaves". Seria uma jogada de marketing? O mais provável é que sim. Os escritores tentam explicar qual seria a fórmula mágica para tamanho sucesso. Mas quem acha que vai encontrar uma resposta clara em alguma das 157 páginas do livro, está enganado.
- Podemos apontar alguns fatores, mas são suposições. A começar pela genialidade de Roberto Gómez Bolanõs, o criador de Chaves. Ele consegue criar um estilo que sobrevive à era digital, resgatando na TV um toque de ingenuidade e de fazer artesanal. As reprises também são um atrativo a mais. Atingem novas gerações, que vêem os episódios como se fossem inéditos, e trazem boas recordações aos que já viram. O trabalho realizado pelos dubladores brasileiros também é fantástico. Os programas dublados são muito melhores que os originais - diz Fernando Thuler.
Elogios à parte, "Chaves" não agrada só por aqui. Exibido em mais de 80 países, entre eles, Rússia, Coréia do Sul, Arábia Saudita e Japão, o programa não é do tipo que prende o espectador na frente da telinha. Pelo contrário. Os episódios exigem o mínimo de atenção possível e, com exceção dos fãs ardorosos, muitos abandonam o programa no meio para fazer outras atividades. Mesmo assim, em duas décadas de exibição, o programa mantém uma média diária de oito pontos de Ibope, o que causa inveja a muitos telejornais e programas de auditório.