Entrevista
Mauri König, jornalista da Gazeta do Povo
Exploração sexual tem relação com a cultura do país
O livro faz uma investigação teórica sobre o tema da sexualidade na história e sobre as possíveis causas que criaram o cenário da exploração sexual. Quais são elas?
O problema da exploração sexual de crianças não é recente e não afeta apenas o Brasil, mas a sociedade como um todo. Há dois momentos históricos cruciais: a concepção judaico-cristã, que construiu uma noção de sexo ligada ao pecado, e o capitalismo, que coloca valor de mercado no corpo humano para integrar força de trabalho, o que inclui também a prostituição e a exploração sexual.
É possível identificar o perfil dos envolvidos em cada parte da rede de exploração sexual?
Nas regiões de fronteira, as redes de exploração são formadas basicamente por taxistas, que sabem indicar e levar aos locais de exploração os interessados, os donos das boates e bordéis, os hotéis e seu pessoal, que favorecem a entrada.
O livro mostra que a impunidade impera nesse submundo. Por que o Estado não atua nesse tema?
Tem relação com a cultura do país, por um lado, e com a estrutura do Estado, por outro. Nossa cultura acredita, em geral, que uma menina de 14 anos já é consciente do que faz e, se "decidiu" fazer programa, é porque quer e deseja ganhar dinheiro. Esta é uma visão que, infelizmente, predomina na sociedade brasileira. Outro motivo é a falta de estrutura, que faz o Estado ficar ausente em vários pontos da vastidão do país. E onde o Estado está ausente, o crime ocupa o seu espaço.
Durante a investigação, você enfrentou algum dilema ético?
Sim. Em um caso, encontramos uma menina em um estado terrível, depois de ter sido seviciada por três homens. No outro dia, decidimos avisar as autoridades locais para resgatar a menina. Isso gerou um conflito, pois nosso propósito era reportar as situações por mais trágicas que fossem para que a sociedade tomasse conhecimento. Decidimos então nos ater a nosso papel, deixando a quem de direito resgatar as vitimas.
Livro
O Brasil Oculto
Mauri Konig. Editora Compactos, 191 págs., R$ 34,90. Jornalismo.
Lançamento
Livrarias Curitiba do Shopping Estação (Av. Sete de Setembro, 2.775), (41) . Hoje, às 19 horas. Entrada gratuita.
Nas praias ensolaradas dos cartões postais ou nas mais remotas fronteiras do Brasil há uma perversa rede de negócios criados em torno da exploração sexual infantojuvenil que o Estado e a sociedade desconhecem ou fingem não ver.
>> Vídeo: Mauri König revela os bastidores de um país que poucos conhecem
Grande parte dessa realidade está descrita e documentada no livro O Brasil Oculto, que o jornalista Mauri König lança nesta noite, às 19 horas, nas Livrarias Curitiba.
Para fazer a investigação que originou o livro, König percorreu, em diferentes períodos, mais de 42 mil quilômetros entre pontos extremos do território nacional, de Norte a Sul pela fronteira com nove países vizinhos.
Konig também viajou por toda a costa brasileira, passando pelas principais cidades portuárias do país, e para cinco capitais do Sudeste e do Nordeste que tinham histórico de turismo sexual e serão cidades-sede da Copa do Mundo de futebol no ano que vem.
Repórter especial da Gazeta do Povo desde 2002, König é hoje um dos cinco profissionais mais premiados da história do jornalismo nacional.
Entre outros prêmios nacionais e internacionais, o repórter já recebeu dois Esso e o Cabot Prize, láurea mais antiga do jornalismo mundial conferida pela Universidade de Columbia desde 1938 a jornalistas internacionais que se destacam por sua produção.
Preço da inocência
O livro é dividido em duas partes. Na primeira, König faz em forma de ensaio uma investigação teórica sobre a construção histórica da sexualidade no mundo ocidental e identifica possíveis causas que permitem o cenário que ele viu de perto na pesquisa de campo, que é o material da segunda parte.
Essa é composta das séries de reportagens apuradas por Konig ao lado dos repórteres fotográficos Albari Rosa e Jonathan Campos, tais como elas foram publicadas na Gazeta do Povo entre 2004 e 2012.
Ao todo, o repórter visitou 99 locais de prostituição e exploração sexual de menores e ouviu 229 fontes, entre policiais, conselheiros tutelares, juízes, promotores, organizações não governamentais, as próprias vítimas da exploração sexual e pessoas direta ou indiretamente envolvidas no negócio ilícito.
O livro é o registro de uma série de reportagens arriscadas, feitas com grande esforço físico e emocional que não raro obrigavam o repórter a encarar complicados dilemas éticos do seu ofício.
Em seu périplo pelo Brasil profundo e sombrio, König descobre que a virgindade de uma criança pode custar um par de sapatos ou um prato de comida de Norte a Sul do país.
Prova que os chefes de prostituição chegam a tirar meninas de dentro das salas de aulas para satisfazer clientes, e que donos e funcionários de hotéis e taxistas são agentes fundamentais dessas redes de exploração.
Ele chega a mais duas constatações graves. A primeira, mais perene, é que a tolerância generalizada do Estado e da sociedade a esse tipo de crime, aliada ao preconceito, transforma as vítimas em infratoras.
A segunda, mais urgente, é que o país está de guarda baixa, à mercê de uma possível (e esperada) invasão de turistas sexuais durante a Copa do Mundo no ano que vem.