É confortante ler histórias sobre temas difíceis
A Árvore Generosa tem um fim "bem triste", disse o próprio Shel Silverstein, que escreveu o livro. Não é legal criticá-lo por escrever histórias para crianças que são ambíguas ou até um pouquinho amargas porque o homem sofreu na vida.
De acordo com a biógrafa Lisa Rogak, a primeira mulher dele morreu um dia antes de a filha do casal completar 5 anos. Seis anos depois, a menina, então com 11, morreu por causa de um aneurisma cerebral.
Só isso bastaria para alimentar uma bibliografia inteira de livros tristes, mas Silverstein seguiu a vida, casou outra vez e foi pai de novo.
Ele costumava dizer que não gostava de finais felizes porque havia tido uma infância ruim e imaginava as crianças dizendo para os pais, ao fim de um livro otimista: "Por que minha vida não é feliz assim?".
Nesse contexto, é confortante encontrar histórias que sejam capazes de lidar também com sentimentos difíceis.
Numa conversa com meu filho, hoje com 9 anos, perguntei o que ele achava da Árvore Generosa. "Na primeira vez que você leu para mim, me incomodou um pouco", disse ele, que ganhou o livro quando tinha 6 anos.
"Incomodou como?", perguntei.
"Ele me incomodou um pouco porque parece que a árvore morre no final", ele respondeu.
Na história, o tronco da árvore é cortado e ela fica feliz de servir de banco para o "menino", já bem velho. Ao menos na história, ela não morre de fato, mas vira um toco.
Alongando a conversa ("Você está me entrevistando?", ele me perguntou a certa altura), quis saber, na opinião dele, por que a árvore fazia tudo pelo menino?
"Porque ela gostava dele e queria que ele ficasse feliz", disse. Assimilei a resposta, quieto por dois segundos, e ele emendou: "Você falou que era para eu dar minha opinião".
Falei, sim. E anotei aqui.
Shel Silverstein (1930-1999) era um careca barbudo que fazia um pouco de tudo. Mas o que interessa aqui é que ele escreveu livros para crianças, traduzidos em dezenas de países no Brasil também e com milhões de cópias circulando por aí.
Três desses livros foram publicados em 1964 e todos eles, geniais: Uma Girafa e Tanto, Quem Quer Este Rinoceronte? e A Árvore Generosa (editados pela Cosac Naify). Eles são tão bons que conseguem falar com uma criança de 6 anos e com um adulto de 33, dizendo coisas diferentes, aceitando interpretações diversas.
Num texto para marcar os 50 anos da Árvore Generosa, na revista The New Yorker, Ruth Margalit conta que estava passeando pelas estantes da Strand, uma loja tradicional de Nova York cujo slogan diz "18 milhas de livros" (ou "30 quilômetros de livros"), e por acaso encontrou o de Silverstein e ele pareceu "mais triste do que lembrava".
A história da árvore que dá tudo para um menino que não retribui com nada é a mais famosa dos três livros cinquentões e talvez seja a mais conhecida de Silverstein, que reconhecidamente não gostava de finais felizes. Tamanho sucesso não ocorre sem dores de cabeça e o escritor-desenhista procurou evitar as dele como pôde, desaparecendo da vida pública nas duas últimas décadas de vida.
A Árvore Generosa já foi interpretada, detonada e admirada por vários tipos de leitores. Houve quem criticasse o livro por ser uma defesa do individualismo, ambientalistas o acusaram de pactuar com a destruição da natureza e mães se defenderam da alegoria que é mais comumente associada à história: a do amor incondicional.
A árvore seria a mãe (ou o pai) que dá tudo para os filhos, que não retribuem nunca e você, mãe ou pai, fica feliz. Essa é uma frase recorrente na história: "E a árvore ficou feliz". O garoto come as maçãs (para aplacar a fome), junta as folhas (para brincar), leva os galhos (para construir uma casa), corta o tronco (para um barco) e, por fim, senta no toco que restou (para descansar). "E a árvore ficou feliz."
Ruth Margalit usa informações sobre a vida de Silverstein para relativizar algumas dessas leituras. Sabe-se, por exemplo, que ele era contra o individualismo cego e pode ter criado a história como uma forma de crítica. Ou talvez tenha mostrado que, enquanto alguns são felizes dando o que têm, outros se satisfazem recebendo tudo que podem. Embora o narrador nunca diga que "o menino ficou feliz".
A leitura do próprio autor é das melhores: "É sobre um menino e uma árvore. E tem um fim bem triste".
Brincadeira
Uma Girafa e Tanto gerou menos discussões e soa mais como uma brincadeira, sobre um menino que tem uma girafa. Ela vai encontrando objetos e outros bichos pelo caminho e carregando tudo consigo de "uma serpente que tem bolo no dente" até "um dragão num carrinho de mão".
E tudo
Mais ambicioso, Quem Quer Este Rinoceronte? segue uma estrutura parecida: um menino tem o bicho do título e lista as coisas boas e ruins a respeito dele.
Por causa do chifre, ele é útil para "coçar as costas" e "abrir latas de soda". Por ser grandão, "é muito confortável quando você senta no colo dele, mas nada confortável quando ele se senta no seu".
A vida é o que você fizer dela, o livro parece dizer. Com rinoceronte e tudo.
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