O escritor peruano Mario Vargas Llosa volta a utilizar o país natal como cenário em seu novo romance, O Herói Discreto, recém-lançado no Brasil. Cuidadosa, sua ambientação mostra um país com os melhores e piores traços do Terceiro Mundo, mas também uma nação em processo de afirmação moderna, em boa situação econômica. Cenário para um romance otimista a ponto de prestar tributo à figura do herói, ainda que este surja em meio aos distúrbios das mudanças na sociedade.
Trata-se de Felícito Yanaqué, dono de uma empresa de transportes em Piura, uma cidade de médio porte no norte do Peru. Algo rústico e de origem humilde, mas intransigente ao seguir os valores deixados pelo pai, o empresário se recusa a ceder às chantagens que passa a receber por meio de cartas anônimas (assinadas com o desenho tosco de uma aranha) fixadas na porta de sua casa, que oferecem segurança em troca de um pagamento mensal. Nesta retidão moral diante da corrupção reside seu heroísmo discreto, avesso aos escândalos que alimentam a imprensa sensacionalista um dos temas mais visados pelas tintas ensaísticas que O Herói Discreto, um romance realista e de forma tradicional, eventualmente carrega, fazendo eco a A Civilização do Espetáculo, publicado por Llosa em 2012.
A mesma sombra do escândalo ronda a história paralela de Ismael Carrera, um empresário viúvo, octogenário, que decide se casar com a empregada e enfrentar a sanha interesseira dos filhos, um par de gêmeos da pior estirpe.
Para isso, pede a ajuda de don Rigoberto assim como o sargento Lituma, de Lituma nos Andes (1993), personagem que volta a surgir na obra de Vargas Llosa.
Rigoberto, funcionário de sua empresa de seguros e amigo fiel às vésperas da aposentadoria, acaba se tornando também um personagem central. Sofisticado, amante da Europa e da alta cultura, ele vive seu próprio drama ao ser obrigado pela confusão do casamento a adiar a vida de isolamento em seu espaço civilizado seu escritório repleto de livros de arte e discos de música clássica e ao lidar com os encontros misteriosos de seu filho, Fonchito, com um tal Edilberto Torres.
As duas histórias e suas diversas narrativas se entrelaçam lentamente e com elegância em uma prosa bem-humorada, que ironiza a inverossimilhança de suas próprias reviravoltas. Vargas Llosa fez um livro saboroso,
Voz ativa na política, o Nobel de Literatura, aos 77 anos, mostra sua crença nesta figura heroica, complexa e incoerente tal qual a sociedade que a gera, e deixa um tom esperançoso quando veste o romance com uma discreta lente sociológica.
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