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Nero no papel de Gilmar: cara de mau | Jõao Miguel Júnior/TV Globo
Nero no papel de Gilmar: cara de mau| Foto: Jõao Miguel Júnior/TV Globo

Entrevista com Alexandre Nero, ator e músico.

Nada melhor do que um vilão maquiavélico para incendiar um melodrama. E se ele for daqueles capazes de amarrar a mocinha ingênua nos trilhos do trem, tanto melhor. A essa linhagem de antagonistas pertence o inescrupuloso Gilmar, personagem do ator curitibano Alexandro Nero na recém-estreada novela das seis, Escrito nas Estrelas.

Aos 40 anos, Nero chega a sua terceira telenovela em rota ascendente. Seus dois primeiros trabalhos na Rede Globo – o verdureiro analfabeto Vanderlei, de A Favo­­rita, e o peão românticoTerêncio, de Paraíso – eram tipos toscos e empáticos. Fizeram sucesso principalmente junto ao público feminino. Agora, não é o caso. Gilmar é do mal. E será responsável pelo calvário que a protagonista Viviane (Nathália Dill) vai passar no folhetim espiritualista de Eliza­beth Jhin. Tanto melhor.

Ciente de que viver "o" vilão de uma telenovela é um elogio, Nero defende o personagem, que pode consolidá-lo no time de nomes ascensão na Globo. "Em um mundo onde só se dá valor a dinheiro e poder e o resto não importa, nada mais justo que meu personagem vá atrás disso, custe o que custar."

Em entrevista à Gazeta do Povo, por e-mail, Nero falou sobre televisão, fama e viver no Rio de Janeiro, para onde se mudou de mala e violão com a mulher, a atriz paranaense Fabíula Nascimento (do filme Estômago e atualmente no elenco da série For­­ça-Tarefa). Ele revelou que, tão logo termine Escri­­to nas Estrelas, vai lançar um disco, já gravado em Curi­­tiba. Para quem não sabe, Nero tem uma carreira musical paralela e in­­tegrou bandas locais como o Grupo Fato e o Denorex 80. Leia a seguir trechos do bate-papo.

Fale um pouco sobre como você foi escolhido para este papel na novela Escrito nas Estrelas. Houve teste ou foi convite mesmo?Não tenho como afirmar exatamente o motivo de ter sido escolhido, mas, pelo fato de ser a mesma direção e equipe de "Paraíso", acredito que eles gostaram do que viram no decorrer do processo. Recebi primeiramente um convite, ou intenção, do Rogério Gomes (diretor de núcleo). Ele disse: "Tenho um vilão pra você. O personagem é demais e eu quero você para interpretá-lo. Preciso que faça um registro só pra eu mostrar para a autora e ver se ela aprova". Fui lá, fiz o registro e ufa....ela me aprovou!

Em A Favorita e em Paraíso você viveu tipos mais empáticos. Agora você está encarando seu primeiro vilão na tevê? Fale sobre seu processo de construção do personagem.Sim, é meu primeiro "vilão". Essas aspas já fazem parte do processo de construção. Nesse momento sou o advogado de defesa do Gilmar. Não posso tratá-lo como vilão, senão facilmente cairei na caricatura. Não quero julgá-lo, e isso consigo fazer com facilidade, pois sempre gostei de ser o "advogado do diabo", de defender o indefensável. Não acredito no isolamento do bem e do mal. Pra mim eles andam juntos! Em um mundo onde só se dá valor a dinheiro e poder e o resto não importa, nada mais justo que meu personagem vá atrás disso, custe o que custar. Mas também não podia esquecer que, por se tratar de uma novela, um veículo de massa, ele precisa ter um certo carisma. Quero que as pessoas torçam contra o Gilmar, mas que gostem de vê-lo na tela.

Você está se inspirando em algum ator ou personagem para compô-lo?A influência de ter assistido grandes atores na tevê é muito forte em mim, afinal sou um assíduo telespectador desde criança, mas não tem algum ator ou personagem específico. O processo a que mais me adapto, e acredito, vem de dentro pra fora. Todos os personagens que fiz e pretendo fazer, seja um "O verdureiro" ou Macbeth, serei eu mesmo, com cores, movimentos, traços e tiques a mais, ou a menos, mas sempre eu. Penso: "o que EU faria se tivesse o passado e estivesse na pele dessa pessoa?". Gosto disso do Chico Buarque: "O ator se tranveste em mil personagens, para poder ser mil vezes ele mesmo" – trecho do livro Budapeste.

Como é sua rotina de trabalho? Recebo semanalmente um bloco de seis capítulos junto com o roteiro de gravação da semana. As gravações das cenas podem ser tudo num dia só, serem espaçadas no decorrer da semana, posso gravar o dia todo e esticar pela noite afora ou posso ter de gravar uma cena de madrugada e outra a noite e ter que passar todo o dia no Projac apenas esperando a hora de gravar, enfim, fazer novela é doar todo seu tempo e não ter como planejar nada. Isso vale pra todos, até mesmo para os "medalhões".

O que é o melhor de estar na tevê? E o pior?Como artista, penso, são vários os exercícios novos que posso praticar. A velocidade é assustadora, se ensaia três minutos e grava-se. Tem vezes que lhe dão uma cena agora e em dois minutos você terá que decorar e gravar. Fora o fator de ser um ambiente que não ajuda em nada a concentração. É muito barulho, muita correria, marcas milimétricas de luz e câmeras, muita gente fazendo mil coisas, e no meio disso tudo, é preciso se isolar e fingir que nada está acontecendo a sua volta.Em se tratando da "exposição na tevê", a parte boa é que outros artistas, diretores e produtores acabam tendo acesso mais facilmente ao seu trabalho. Por isso, acabei sendo convidado para muitas produções, de teatro e cinema, maravilhosas, mas optei, nesse momento, por investir na tevê. Não sei se há uma "pior parte", mas certamente alguns incômodos. As pessoas se sentem íntimas de você e algumas são bastante invasivas, dão palpite na sua vida particular, etc... O público leigo acha que a vida do artista é feita só na tevê. Quando paro de gravar, pessoas me abordam tristes e constrangidas, como se eu estivesse desempregado e louco pra voltar pra lá. O jeito é levar com bom humor.

Você já se sente em casa aí no Rio? Como é seu cotidiano?Já, mas no início foi muito difícil, tanto pra mim quanto pra Fabiula. É uma cultura muito distante de Curitiba. O Rio parece uma "cidade sem lei". Aqui parece que nasceu o famoso "jeitinho brasileiro", as pessoas respeitam muito pouco as leis de cidadania. Em compensação, é uma cidade abençoada em sua natureza. Aqui, decoro meus textos na praia (quando dá tempo), o clima me incentiva a correr na orla, frequentar a academia, comer menos porcarias ..... emagreci 10 quilos desde que vim pra cá. Sempre me perguntam "O que você fez pra emagrecer?", e eu digo "Vim morar no Rio"

Já há assédio, gente parando você na rua? Fama é bom?O Rio é uma cidade de artistas e celebridades (nada impede que celebridades também sejam artistas, e competentes, mas a princípio, são coisas distintas). Os artistas transitam tranquilamente pelo Rio. Já as celebridades não. Eu não sou uma celebridade, pois quando estou fora do ar ninguém lembra muito de mim. Já quando estou no ar não dá para ir a qualquer lugar. É preciso escolher com cautela. Fama me parece ser bom para captar dinheiro com patrocinadores para leis de incentivo, fora isso, não vejo muitas vantagens. Como disse antes, algumas pessoas se sentem íntimas, então podem ficar chorando enquanto tiram uma foto sua, como podem lhe agredir. Ambos os casos já aconteceram comigo. A fama faz você ser amado ou odiado gratuitamente.

Você é tão músico quanto ator. Como fica sua carreira musical nisso tudo? Há algum projeto de banda, disco?As duas coisas sempre estarão juntas pra mim, mas agora a minha prioridade é a de ator. Isso sempre ficou variando na minha vida. Uma nova banda ainda não, mas sei que isso acontecerá naturalmente, assim como um novo grupo de teatro. Quanto ao disco, já tenho ele gravado. Gravei em Curitiba no intervalo entre Paraíso e Escrito nas Estrelas. Tenho planos de lançá-lo após a da novela.

E propostas de trabalho no teatro ou no cinema? Ou a tevê não deixa que sobre tempo? A cena de musicais é forte por aí. Você encararia o desafio ou não é a sua praia?Tem havido muitos convites, mas por ter emendado um trabalho no outro na tevê ainda não tive tempo, mas tenho pretensões em relação a isso. Quanto aos musicais, não quero dizer "nunca" mas, ainda não me interessaram. A estética do Rio em relação a musicais é parecida com espetáculos da Broadway. Não me vejo fazendo parte disso.

O que você descobriu sobre si mesmo enquanto artista desde que saiu de Curitiba?Descobri que Curitiba tem uma produção artística que não deve nada a ninguém. Somos grandes! Tenho amigos aí que, se fossem cariocas, seriam aclamados pelo país todo. Juro, não estou querendo fazer média, é preciso que Curitiba se perceba grande artisticamente, pois somos. Percebo que tudo que Curitiba e os artistas daí me deram, e que eu achava pouco, na verdade é muito.

Sente falta da cidade? Do que sente saudade?Sinto saudade de tudo! Do cheiro, do frio, das pessoas, da música, do teatro, da Rua XV, do Largo da Ordem, deixei muitos amigos amados, enfim, tudo.

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