A banda carioca Los Hermanos está oficialmente de recesso após três shows na Fundição Progresso, de quinta a sábado, que reuniram 15 mil fãs em delírio explícito. Foram duas horas de catarse coletiva e queixas na saída, como a super fã Patrícia Santana que torce com todas as forças para que não seja o fim: "Vai ser complicado viver sem eles, que fizeram a trilha sonora da minha vida e traduzem o que eu sinto melhor do que eu mesma," disse ela.
Num camarim muvucado onde rolava uma festa, o tecladista Bruno Medina enfatizou que era um recesso por tempo indeterminado, algo que ele acha de difícil assimilação pela imprensa e pelo público. "É necessário dar um tempo, arejar, renovar, é pelo bem da própria banda e é coerente com tudo que fizemos. A gente podia ligar o piloto automático e ir em frente, mas não é isso,"disse ele.
Marcelo Camelo, depois de alguns momentos de enlevo ao lado de Camila Pitanga, fez jus ao sobrenome e saiu distribuindo patadas sem querer falar nada. "Curte a festa, toma uma cerveja. Gostou do show? Eu adorei," disse com uma fã pendurada em seu pescoço atrás de uma foto. Os demais estavam igualmente mal educados. Amarante virou as costas e Rodrigo Barba se fez de surdo.
O show de sábado foi apoteótico como os de quinta e sexta. Em canções como "Quem sabe", "O vencedor", "Ana Júlia", "Cara estranho", o coro da platéia abafava a banda. Ouvia-se as guitarras de Camelo e Amarante e pouca coisa mais. Um comportamento só visto nos shows da Legião Urbana e do RPM na fase áurea.
Laís Araújo, uma dessas fãs, disse na saída que reconhecia o direito de a banda acabar, mas tem esperanças de que volte um dia. "Todo mundo vai sentir saudade. Nenhuma banda vai substituir eles, não tem como," disse ela. A uma observação de que muitas letras têm imagens que cairiam bem em canções dos avós e até poderiam ser consideradas bregas, Laís rebate que isso é uma coisa boa. "Eles misturam tudo, brega, rock, alternativo, atende a todos os tipos de gostos dos jovens, faz a gente aprender a gostar de tudo."
A amiga dela, Lidia da Silva, emenda "Existem bandas românticas, heavy metal e outras. Eles condensam tudo com muita criatividade". Outro fã, Igor dos Santos, reforça: "Brega é um conceito muito relativo, o que importa é ouvir música e se divertir, se tiver uma mensagem melhor."
Oito e meia da noite a fila estava grande na frente da Fundição, com grupos de jovens gritando o nome da banda, cantando,agitando e esperando a abertura dos portões às 22h. Às 23h, já com a casa na lotação máxima de 5 mil pessoas, o burburinho de antecipação ao som de músicas do DJ Maurício Valladares e as imagens do Acústico do Rappa. Aos 14 minutos de domingo, começou o show de duas horas que visitou todos os quatro CDs da banda.
Os Hermanos são uma banda que polariza opiniões, mas não se pode negar a eles uma originalidade rara no rock brasileiro. Muitas músicas nem rock são, mas não faz diferença para a platéia e até serve como introdução para a MPB.Não poucos jovens colocaram Caetano Veloso e Chico Buarque entre suas preferências em conversas na platéia.
A roupagem de mal tocado e mal cantado acaba sendo um atrativo adicional para o quesito originalidade, que também engloba os sopros, sem dúvida os arranjos mais originais do pop brasileiro. Podem aparentar até nem combinar com a música, como a fanfarra em "Adeus você" e podem parecer tirados de um disco de Miles Davis como em "A flor".
"Ana Julia" é típica balada do rock inglês dos anos 60, daí ter encantado Jim Capaldi e George Harrison a gravá-la, uma espécie de puxão de orelha nos autores que haviam renegado a canção e esteve presente no bis. Já "Sentimental" é um baladão a Roberto Carlos com uma bela cama de órgão do Bruno e um solo de trumpete (Mauro) belo e sensível que calou a ruidosa platéia, um momento raro em que o show deixou de ser celebração e virou show.
O coro de 5 mil vozes interpretou ainda "Pois é", "A outra", "Paquetá", "Casa Pré-fabricada", "Um par", "Primeiro andar", "Condicional", "Conversa de botas batidas", "De onde vem a calma", entre outras. Camelo e Amarante entraram de paletó e gravata, uma elegância desfeita ao longo do show e recomposta por Camelo no bis, enquanto Amarante preferia uma camiseta. Foi o toque de solenidade da despedida. No final, todos no palco, a banda e os novos desempregados: a equipe técnica e os músicos de apoio.
Foi-se por tempo indeterminado o ''ícone de uma geração que pelo menos deixou uma obra'', como disse outro fã. Os Hermanos deram novos parâmetros estéticos para uma garotada que hoje tem elevados níveis intelectuais e estéticos e não se deixarão enganar por bobagens como Charlie Brown, CPM 22 e outros.
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