Os menores movimentos de Zadie Smith passaram a ser acompanhados pela mídia ao assinar contrato com uma grande editora (Hamish Hamilton) por uma pequena fortuna (250 mil libras, cerca de R$ 950 mil). Era 1997, ela nunca havia publicado livro algum na vida e apresentou somente trechos de seu primeiro romance, inacabado à época. Das duas, uma: ou o editor era irresponsável, ou a escritora era genial.

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Dentes Brancos chegou às livrarias britânicas em 2000 e as críticas se aproximaram da unanimidade. O entusiasmo contagiou leitores, contabilizou prêmios – inclusive o importante Guardian First Book Award – e somou mais de um milhão de exemplares vendidos em língua inglesa. Depois de experimentar a celebridade, decidiu escrever um romance sobre o assunto: O Caçador de Autógrafos (Tradução de Beth Vieira. Companhia das Letras, 392 págs., R$ 49), que chega ao país com intervalo de quatro anos da edição inglesa. Nesse meio tempo, Zadie se casou, viveu nos EUA, trabalhou em Harvard, voltou para Inglaterra, escreveu e publicou On Beauty (2005), inspirado no clássico Howards End, do seu herói E. M. Forster, e, com a obra, foi indicada ao Man Booker Prize.

Para dissecar o fascínio gerado pela fama, Zadie conta a história de Alex-Li Tandem, jovem de 27 anos que vive no norte de Londres. Meio chinês, meio judeu, ele transformou o hobby da adolescência em um negócio mais ou menos lucrativo e vive da venda de autógrafos (nem sempre autênticos) de gente famosa. Numa manhã, experimentando a ressaca do ácido consumido na noite anterior, cai em suas mãos, sem nenhuma explicação aparente, a assinatura de Kitty Alexander, estrela do cinema dos anos 50 pela qual sempre foi obcecado. Disposto a descobrir a origem do papel, ele viaja para Nova Iorque. Esse ponto de partido insólito serve de base para que Zadie transite por questões que envolvem não apenas fama, mas também religião e autoconhecimento.

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Enquanto, em Dentes Brancos, a escritora narrou o convívio possível entre pessoas de etnias diferentes, lançando mão de ferramentas narrativas tradicionais, em O Caçador de Autógrafos ela optou por experimentar. A partir da cabala, que serve inclusive para dar nome aos capítulos do livro, pontua a narrativa com desenhos, balões de histórias em quadrinhos, diagramas e palavras em negrito. Esses recursos serviram para alimentar comparações com dois autores americanos chegados a brincadeiras textuais – David Foster Wallace (Breves Entrevistas com Homens Hediondos) e Dave Eggers (Uma Comovente Obra de Espantoso Talento).Forma e conteúdo

Embora não haja uma definição clara – muito menos consenso – do que seja o pós-modernismo, já surgiram outras tentativas de definir o momento atual das artes como hipermodernismo, ou enquadrar determinadas obras em movimentos batizados com nomes esdrúxulos (realismo histérico, paranóico, etc.). Basta mencionar Wallace e Eggers para o glossário de "ismos" ser sacado. Zadie não parecia fazer parte desse grupo – até escrever O Caçador de Autógrafos.

Hoje, a literatura pode ser dividida entre os que querem contar uma história sem se preocupar com a forma, aqueles que só preocupam com a forma e mandam o conteúdo para o espaço, e uma parcela pequena de talentos capazes de unir o melhor dos dois mundos. Do último fazem parte Wallace e Eggers. Mas o que eles têm a ver com Zadie?

Vivendo nos EUA para fugir da atmosfera "estrela de cinema" que a imprensa inglesa estava tentando criar em torno de si, ela foi envolvida pelo mundo literário americano. Assim como outros de sua geração, adotou o livrão de Wallace como referência (Infinite Jest, com improváveis 1.078 páginas que dificilmente serão traduzidas dadas as características do mercado brasileiro) e entrou para o clubinho de Eggers. Este, além de escritor, é dono da editora McSweeney’s, responsável por duas revistas literárias badaladas, McSweeney’s Quaterly Concern e The Believer.

Em parte, a engenhosidade de O Caçador de Autógrafos remete à de Eggers. Não somente a que aparece nas revistas, mas também a de Uma Comovente Obra. O americano, quando descreve como escorrega de meias com o irmão mais novo, apresenta um gráfico mostrando o percurso que fazem de um ponto ao outro da casa. Para mostrar a coleção de autógrafos de Alex-Li – que inclui Muhammad Ali e Virginia Woolf –, o livro de Zadie reproduz os pedaços de papel assinados, posicionados na página de acordo com o mapa cabalístico do protagonista.

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A escritora não nega as semelhanças com outros autores e admite ser bastante influenciável – o que encara como parte de um aprendizado. O Caçador de Autógrafos é cerebral (forma) ao passo que Dentes Brancos foi emocionante (conteúdo). O passo seguinte seria uma fusão dessas qualidades. A julgar pelos comentários que cercaram o lançamento de On Beauty no Reino Unido, ele foi dado.