Eles adoram um chororô. De preferência provocado por uma maldade daquelas dignas de gargalhada, como só se vê nos melhores dramalhões mexicanos. Há quem torça o nariz para as mocinhas e vilões de sotaque hispânico, mas a audiência é cativa e bancada por fãs assumidos uma legião que cresce e vem se espalhando com a ajuda da internet, amplificada pela reprise de A Usurpadora, atualmente no ar no SBT.
Quando voltou a ser exibida no Brasil pela quarta vez, em janeiro deste ano, A Usurpadora abocanhou cinco pontos de audiência. Para o SBT, a performance da novela no Ibope foi considerada boa. No Twitter, os seguidores de Paulina e Paola (as gêmeas interpretadas por Gabriela Spanic), que disputam o amor de Carlos Daniel Bracho (vivido por Fernando Colunga), não economizaram hashtags.
Blogueira
Justíssimo, defende a blogueira e fã de carteirinha Marina Mello. Segundo ela, todo alarde é pouco quando se trata de exaltar a carga dramática que a trama condensa.
"O drama é exagerado, e esse é o ponto forte. É como se a novela fosse uma piada dela mesma. É o drama do drama, e é justamente isso o que cativa. Para quem escreve, não tem inspiração melhor", afirma ela, que diz ter perdido a conta de quantas vezes já assistiu às brigas das duas irmãs.
A paixão do estudante Marcelo Pereira Barra, de apenas 16 anos, também é antiga. Criador de uma página na internet em que agrega outros fãs ardorosos, ele guarda, em casa, um arsenal acumulado durante todos esses anos diante da tevê: pôsteres, revistas, reportagens, livros, broches, DVDs e CDs que vão de A Usurpadora à musa Thalia, estrela de outros clássicos do gênero. A primeira novela mexicana, ele diz, ninguém esquece.
"Eu vejo estas tramas desde pequeno. A criatividade dos escritores é algo inexplicável. E A Usurpadora é insuperável", diz acreditar o rapaz.
Trilogia
Junto com a trilogia das Marias (Maria Mercedes, Marimar e Maria do Bairro, todas estreladas por Thalia), A Usurpadora divide a preferência do público. Mas nem só de Gabriela Spanic, Thalia e Fernando Colunga é feito o elenco de estrelas que amolece o coração do telespectador. Há ainda Jacqueline Andere, Jaime Camil e Angélica Vale, a historiadora Priscila Gonçalves dos Santos faz questão de listar. Priscila criou uma página no Facebook voltada para fãs de todos os folhetins mexicanos. Lá, a interação vai bem além do virtual.
"Apesar de não terem tanta tecnologia ou muitos atores, essas novelas encantam pela simplicidade, tanto na produção quanto em seu enredo. É drama com humor e cultura local", explica ela, que reuniu um grupo de fãs para receber no Aeroporto de Guarulhos, no ano passado, a atriz Angélica Vale (de Amigas e Rivais e da versão mexicana da colombiana Betty, a Feia).
Além de servir de ponto de encontro para os fãs, a internet também é fonte. Muitas das tramas estão disponíveis na íntegra na Netflix (veja texto ao lado), serviço de vídeo online para assinantes. No YouTube, muitos trechos destas novelas estão lá, no idioma original. A enfermeira Fernanda Gomes Amorim usa suas horas vagas para vasculhar novidades e assistir a produções que ainda não chegaram por aqui.
"Assisto a novelas mexicanas diariamente. No idioma original, o drama fica mais intenso ainda."
Doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela Universidade de São Paulo (USP), Mauro Alencar diz que a euforia tem justificativa. A história, com um núcleo central forte, atrai a ação para os protagonistas. Sem contar que o embate entre irmãos gêmeos, o mote da trama, personifica a luta entre o bem e o mal.
"A Usurpadora reúne em sua estrutura todas as premissas básicas do melodrama", afirma Alencar, destacando o uso de personagens com perfis "bem delineados" no folhetim. "Sabemos em poucos minutos quem são os vilões, quem são os heróis, onde estão os personagens cômicos, enfim, conseguimos mapear a trama assistindo a apenas algumas cenas da novela."
"Quem sabe assim os fãs enrustidos saiam do armário", brinca a estudante Renata Mattos, que sempre vence a briga pela única televisão da casa. "Tenho amigos tão viciados em A Usurpadora quanto eu. A questão é que poucos assumem."
Pelo Mundo
O sucesso fora do México não é privilégio do território brasileiro. Tramas mexicanas agradam da Alemanha aos Estados Unidos, passando pela China, afirma o antropólogo Gonçalo Santos, do Instituto Max Planck.
"Tudo é afeto em novela mexicana. O mundo que esses folhetins retratam é um mundo no qual todos falam a linguagem das emoções."
Teorias e gostos à parte, a estudante de História Amanda Scott resume a questão: "A Usurpadora é a melhor novela mexicana que existe".