A maioria de nós procura pela vida a tal alma gêmea, a pessoa que nos acompanhará a vida inteira, mas poucos encontram. Lulu Santos é um desses privilegiados: ele divide o coração com a jornalista Scarlet Moon há quase 30 anos, muitas canções foram gravadas em nome desse amor e ele agora acrescenta mais quatro à lista, registradas em seu 20º disco, "Letra & música", lançado pela Sony/BMG.
- "Sinhá e eu", "Manhas e mumunhas", "Vale de lágrimas" e "De cor" são uma crônica da minha relação com Scarlet. Abrimos a relação cinco vezes, em nenhuma delas fomos capazes de cumprir a separação do jeito que a gente cumpre o que é a historia da gente. É uma coisa um pouco obsessiva, apaixonada e, tanto quanto sinto que ela é, de fato, incapaz de articular uma separação da vida dela da minha, sou tão incapaz quanto ela ou mais. No último ano e meio, a gente deu uma concentrada... eu precisava dizer com mais clareza o quanto sou apaixonado por ela, precisava ficar explícito" - disse, numa entrevista na sede de sua gravadora, lutando contra uma gripe braba.
"Sinhá & eu" conta de uma turnê roubada que ele fez aos Estados Unidos, mas que teve momentos agradáveis quando passeou com Scarlet no roteiro Nova York- Boston-Miami. "Manhas e mumunhas" fala da impossibilidade de separação: "que a essa altura separar/ seria como carne da unha/ cada um já sabe do outro/ Todas as manhas e mumunhas". "Vale de lágrimas", séria candidata a hit, fala da dor da separação: "Faça-me um favor/ Volte para mim/ É o que sei dizer, nada mais/ Senão me repetir/ Que zanzei pelas ruas, um molambo/ Sonâmbulo, insone e insano". "De cor" fala do ato de amor que nunca deixa de ser novidade: "O gosto do gozo, perdendo os sentidos/ Na silhueta, no meio do vapor/ Faço as contas do que já sei de cor/ Mas que sempre que acontece/ É como se fosse a primeira vez."
Conceitualmente, o disco representa uma reconexão com o rock via um power trio dele do início dos anos 90, o Jakaré, incluindo um projeto de disco que não chegou a ser gravado porque Lulu é dotado de uma inquietação supersônica. O disco abre com uma canção do Jakaré, "Gambiarra".
- Eu não estava mais a fim de fazer um disco de "circão", de mercado e a minha idéia era formatar o Jakaré de forma indolor. Percebi, com o decorrer do tempo, que podia conciliar a atitude e a vontade do Jakaré com as coisas que estava propondo. Foi quando achei o equilíbrio do "Letra & música", quando vi que as músicas novas tinham uma conexão parcial com aquilo que estava querendo fazer na época do Jakaré.
O disco está sendo trabalhado inicialmente com a música "Pop star", um sucesso moderado de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados" nos anos 80. A escolha foi da gravadora Sony, jogando o Lulu na onda do revival dos anos 80, quando a intenção foi dar um frescor juvenil a um disco marcado pela maturidade de seu titular.
- É irônico e hilário eu dizer "não tenho saco pra escola/ minhas notas sempre são vermelhas", uma autoparódia. Eu a botei porque um CD pop precisa de um momento de ensolarada e descomprometida alegria juvenil, porque isso é o que origina essa linguagem, ainda que as pessoas amadureçam dentro dela. Gosto da música há muito tempo, sempre contemplei o momento em que pudesse usá-la. É uma música recôndita, porque foi sucesso aqui no Rio, mas em São Paulo ninguém conhece.
Os sessentões Rolling Stones têm tido sua aposentadoria cobrada pela imprensa há pelo menos três excursões. Eles, como o cinqüentão Lulu Santos, são a primeira geração de rockers a enfrentar o suposto dilema de fazer uma música de jovens numa idade avançada, o que ainda não foi assimilado devido ao "pioneirismo". Os Stones, que estão em turnê mundial, provam que é possível seguir adiante e Lulu idem. - Às vezes tenho a sensação de que, no Brasil, se pratica muito um caminho único para o rock. Se não for bermudão e "aí véio", não é entendido como tal. Precisa ser isso? É como se o rock fosse só aquilo que está acontecendo agora. O meu barco pessoal é a perspectiva histórica, você se coloca melhor se você souber o que aconteceu. Faço questão de poder amadurecer dentro da linguagem sem fazer um travesti de jovem de mim mesmo.
A perspectiva histórica vem do fato de ele ser um observador interessado de tudo que rolou de música popular desde os anos 50, daí ele proclamar que pode renascer em qualquer cultura com qualquer DNA musical, todos circulam em seu sistema.
- Eu gosto muito da noção de viajante do tempo. Eu fiz um disco sobre isso, o "Calendário", o tempo é uma coisa que observo. Se você fica preso na obrigação da realidade diária, começa a perder a perspectiva macro do desenrolar da história e do tempo. A perspectiva histórica é uma prerrogativa pessoal minha.
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