Claudete Pereira Jorge não lembra quando se separou, nem do dia em que seu pai, na cadeira de rodas, antes de morrer, implorou para que ela fizesse um curso superior. Datas marcantes a perturbam. Ela acende o primeiro cigarro. E diz, sem medo de ser chamada de piegas, que sempre tentou ser feliz. Tornou-se atriz para encontrar a felicidade. Só faz o que gosta. Se a montagem, eventualmente, desandar durante os ensaios, ela abandona o projeto. Já fez isso, mais de uma vez. E assim fará até o fim.
Ela tem 55 anos. Atuou em mais de 50 peças. Já foi dirigida por Antonio Carlos Kraide, Felipe Hirsch, Luthero de Almeida e Marcelo Marchioro, que ela considera um gênio. Ano passado, teve muito prazer em atuar na montagem Fim do Mês, de Alexandre França, "um artista brilhante". Semana passada, participou da peça Os Três Espelhos, de Maureen Miranda, no Teatro da Caixa. E foi no palco desse teatro, durante uma tarde em que os termômetros marcavam menos de 10º, e o cinza dava o tom do céu em Curitiba, que ela falou de sua vida. Recuperou episódios de sua trajetória em cima de um palco, diante de 120 cadeiras vazias, tendo como interlocutor apenas o repórter da Gazeta do Povo.
Claudete tinha 17 anos, estava em Cascavel, de férias, quando viu a primeira peça de teatro de sua vida. Até aquele momento, pensava em ser médica, fazer Educação Física ou mesmo seguir por alguma profissão liberal qualquer. Mas, quando viu atores e atrizes em cena, soube que a sua vida seria em cima dos palcos. E assim, de fato, foi construída a trajetória de Claudete.
Ela pega mais um cigarro, acende, traga e olha para um ponto da parede. Conta que 2005 foi um ano inesquecível. Toda noite, ela e Octávio Camargo estudaram, detalhadamente, A Ilíada, de Homero, na tradução de Odorico Mendes. Ela memorizou e incorporou todo o primeiro canto, que tem mais de 700 versos. Redescobriu a força que a palavra e a narrativa podem ter. Tempos depois, estaria apresentando essa leitura na Grécia, para gregos, e outros europeus, em um dos teatros mais antigos do mundo.
Ela atua em uma peça depois da outra quase da mesma maneira que fuma, um cigarro após o outro. Não sabe qual será o seu próximo projeto. Pede licença, e atende a uma chamada no telefone celular. É a filha, Helena, de quase 30 anos. "Como a minha avó já dizia, desde que pari, nunca mais dormi." O "advento-filha" mudou, definitivamente, a sua vida, e isso há três décadas. Helena começou a ver teatro, pegou gosto e, assim como a mãe, tornou-se atriz.
Os olhos de Claudete ficam opacos quando fala da realidade. Ela vive no nono andar em um prédio situado na Rua XV, quase na esquina com a Rua Mariano Torres. Lá de cima, vê diversos meninos que consomem crack diariamente, e fica com medo de sair de casa. A iminência da violência assusta. Mas ela sabe que a vida é sinônimo de falta de controle. "A gente anda tateando no escuro. Não foi assim durante a recente temporada de gripe? Quem sabia, de fato, o risco de morte que estava correndo?".
O esmalte vermelho de suas unhas da mão fica, então, ofuscado pelo brilho de seus olhos, quando ela começa a falar de literatura. Declama, durante cinco minutos, um trecho de Catatau, a primeira e inquestionavelmente mais visceral obra de Paulo Leminski. O texto, que mistura elementos da oralidade com noções de filosofia, música e cultura livresca comove Claudete. Ela, pela primeira vez em mais de 115 minutos, levanta da cadeira em que estava sentada. E começa a fumar mais um cigarro.
Claudete sabe que vida é luta, e comenta que está difícil fazer teatro. Ela passou a fazer artesanato para pagar as contas. Hoje, as temporadas são breves, diferentemente do que acontecia há uma década, quando era possível ficar em cartaz durante um mês, ou mais. Mas não reclama. Gosta de viver. "Embriaga-se" de prosa, poemas e dramaturgia. Não teme o dia de amanhã.
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