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Marie NDiaye trocou a França pela Alemanha e fez críticas ao presidente Nicolas Sarkozy |
Marie NDiaye trocou a França pela Alemanha e fez críticas ao presidente Nicolas Sarkozy| Foto:

O título é perfeito porque tem tudo a ver com a sensação causada pelo livro: Coração Apertado. É também o sentimento que atormenta a protagonista da história, Nadia, uma professora que, sem mais nem menos, se vê alvo do desprezo de todos com quem convivia. Todos menos um, o vizinho Noget.

Ela perde o emprego. O marido, Ange, também professor, é alvo da violência de um dos alunos e volta para casa esfaqueado, se recusando a ver um médico. É quando surge Noget, um escritor de idade muito conhecido e respeitado – menos por Nadia, que nunca ouviu falar dele.

Não é simples resumir o clima que se estabelece muito rápido no romance. Há uma tensão, um estranhamento e um desconforto que se instalam e ficam. A leitura chega a ser torturante porque a angústia causada por ela não diminui – segue intensa durante toda a narrativa e, no fim, cessa de existir, tão repentinamente quanto surgiu. Mas cessa por um motivo simples: o livro acaba.

Marie NDiaye, de 42 anos, levou no ano passado o Prêmio Goncourt, o mais prestigioso das letras francesas, pelo livro Trois Femmes Puissantes ("Três Mulheres Poderosas"), a sair pela Cosac Naify. E Marie é um pouco sádica. Assim como o era Franz Kafka. O autor de A Metamorfose é evocado com frequência para explicar a ficção da francesa de origem senegalesa. O sobrenome soa como "endiaiê".

Aflito, se pode procura um sentido para todos os absurdos que se acumulam em Coração Apertado. Tudo é uma metáfora? Um mistério? Afinal, o que a escritora quer dizer com tantas situações inexplicáveis?

A ação se passa em Bordeaux e, a Nadia, a personagem principal e narradora, só resta a estupefação diante dos problemas que se apresentam. Além do emprego perdido e do marido que se torna agressivo de uma hora para a outra, os vizinhos a ignoram, a diretora da escola a olha com pena, as pessoas a evitam, a odeiam e não disfarçam uma aversão a ela.

Sempre que alguém se dispõe a falar (de maneira misteriosa) sobre o que se passa, se refere ao problema que representa "as pessoas como Nadia", como se ela fosse uma alienígena. Ao menos é assim que todos querem que ela se sinta.

Não é difícil seguir algumas pistas – como a identidade de uma figura que surge a certa altura da história – e supor que Marie NDiaye está falando da relação dos franceses com os imigrantes. No caso de Coração Apertado, com os imigrantes africanos.

Pela paranoia, pela falta de explicações, pela névoa que desce sobre Bordeaux, se tenta procurar significados em toda parte, inclusive no ferimento de Ange, o marido de Nadia (na verdade, o segundo marido), que supura e fede. Ele não quer ir ao hospital porque teme ser assassinado. O vizinho Noget o apoia e se comporta tal qual um enfermeiro diligente, preparando refeições e atendendo do doente. "Ele cozinha com intenções secretas, porque entre seus dedos sujos os alimentos servem de meios para o que talvez seja, penso friamente, algo como a nossa servidão", diz Nadia.

Há ainda a possibilidade de Ange ter sido "contaminado" pela mulher. Eles discutem para saber de quem seria a culpa pelo tratamento que passaram a receber na escola em que trabalham. Dele? Dela? A ferida de Ange seria então causada por Nadia? Quando ela decide se afastar, indo embora para a casa do filho – que não quer saber dela –, os desdobramentos desse fato fazem pensar que há um vínculo entre o ferimento e o casamento.

Nada é escancarado no livro, difícil ter certeza de qualquer coisa. Tudo é sugerido e não se pode confiar no que se passa. Esta resenha poderia ter muitas outras interrogações e talvez – veja, talvez – o objetivo de Marie NDiaye seja precisamente esse. Plantar uma quantidade insuportável de perguntas para uma situação sem saída, em que se encontra a França e a Europa. Sem um lado positivo para o qual se possa olhar e dizer "nem tudo é tão ruim assim". GGG1/2

Serviço

Coração Apertado, de Marie Ndiaye. Cosac Naify, 272 págs., R$ 50.

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