| Foto: Kevork Djansezian/Reuters

No meio das filmagens de "Livre", adaptação das memórias da escritora Cheryl Strayed, a atriz Reese Witherspoon vira-se para o diretor canadense Jean-Marc Vallée. "Posso lavar meu cabelo hoje à noite?", pede Reese, que ouve uma bronca de Vallée, que havia, recentemente, dirigido as interpretações oscarizadas de Matthew McConaughey e Jared Leto em "Clube de Compras Dallas", em troca: "Não, acho até que seu cabelo está pouco ensebado".

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Esse era o dia-a-dia da ganhadora do Oscar de melhor atriz por "Johnny & June" (2005) durante os quase dois meses filmando nos estados do Oregon e Washington a história real de uma mulher que abandona tudo para percorrer, sozinha, a trilha de 1,8 mil quilômetros da Costa do Pacífico, nos EUA. Para atingir o realismo necessário, o cineasta exigiu que sua estrela não usasse nenhum tipo de maquiagem --retirou e cobriu todos os espelhos que porventura existissem nos sets. "Me senti atuando em um documentário, se é que isso é possível", brinca Reese em entrevista à Folha de S.Paulo.

"Estou sem maquiagem, carregando uma mochila pesada nas costas e tentando aprender a acampar junto com a personagem. Quando você vê Cheryl lutando para montar a tenda, aquela sou eu de verdade na frente das câmeras. Eu não tinha ideia do que estava fazendo." Para se acostumar com a exigência das filmagens, a atriz passou a meditar sozinha nas montanhas. "Não podia ficar pensando onde estava a câmera, porque precisava me preocupar com as escaladas. Eu nunca abandonava a personagem, porque simplesmente não havia outra alternativa a não ser encarar aquela jornada."

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Jornada difícil A jornada real, no entanto, foi mais dolorosa. Cheryl Strayed percorreu a trilha para recuperar-se de uma perda. O tamanho desta perda e as consequências dela vamos aprendendo aos poucos, guiados pelo roteiro escrito pelo inglês Nick Hornby ("Alta Fidelidade"), que comparou a andança à turnê de 115 shows de Bruce Springsteen, durante 1978. "A estrutura emocional do filme foi achada por Nick", admite Reese. "Foi com ele que pude aprender como aquela caminhada significou, como carregar sua vida nas costas. Me identifico com a ideia de que você precisa se salvar sozinha."

Namoradinha da América Ela precisou mudar seu comportamento de "namoradinha da América" que parece ter impregnado sua carreira e que não a largou nem mesmo quando foi presa por desacato à autoridade, há dois anos. "De certa forma, foi ali que começaram a ver que eu não era exatamente quem elas achavam", contou na coletiva de imprensa de "Livre", no Festival de Londres.

Depois disso, ela produziu "Garota Exemplar", que rendeu mais de US$ 365 milhões (R$953 mi) e mostra como mulheres não precisam ser descritas como criaturas angelicais. "É verdade", diz Reese, que, em "Livre", interpreta uma mulher cega pelo luto, que se torna infiel ao marido e é viciada em heroína. "É inegável que há um público para esse tipo de filme. As pessoas estão famintas para ver mulheres reais e complexas, nem sempre amáveis ou amigáveis. Você pode não gostar de 'Garota Exemplar', mas é inegável que a personagem é o assunto da festa. Gosto disso."

A personagem começou a influenciá-la inclusive na vida real. Quando teve uma folga nas filmagens, Whiterspoon foi visitar o marido em Portland, maior cidade do estado de Oregon, e no meio de uma discussão com os filhos, ela disparou uma saraivada de palavrões. "Meu marido falou: 'Uau, você não fala assim comigo. Virou Cheryl, por acaso?'", diverte-se a atriz. "Bem, talvez eu seja como Cheryl. E espero não perder essa parte de mim que fala o que está pensando. Se você quer ser meu amigo, essa sou eu."