Claudete Pereira Jorge, como Medeia, e Helena Portela, a criada: austeridade| Foto: Gilson Camargo/Divulgação

Em seu retorno à direção teatral, Marcelo Marchioro recria a tragédia de Medeia em um espetáculo austero, nos muitos sentidos da palavra. É rigoroso, grave, amargo.

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A cenografia e o figurino ajudam a compor essa atmosfera severa e comedida. As vestes de Medeia (Claudete Pereira Jorge) e de sua criada (Helena Portela) repetem os tons terra que recobrem todos os níveis do cenário instalado no palco do Guairinha, como se fossem extensão uns dos outros.

Só pela iluminação o ambiente se distingue, ganhando uma aura dourada ou escondendo no breu uma das duas figuras femininas que nunca deixam o palco.

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Aos homens do texto de Eurípedes não coube lugar no espetáculo. Jasão merece apenas uma menção visual, como um desenho primitivo num estandarte. Bastam as mulheres. Ou, no singular, basta a mulher: Medeia. A presença ininterrupta da criada funciona mais como recurso cênico do que como companhia. Está ali para reforçar o que a personagem principal sente profundamente: sua solidão.

À família original, não há como retornar. Medeia matou o irmão para se casar. Levada a uma terra estranha, foi rejeitada por Jasão e trocada pela filha do rei Creonte. Atraiu contra si o poder político. Mal lhe restam os filhos, uma vez que, expulsa de Corinto pelo rei, não há o que fazer com os dois pequenos.

Como de costume nas tragédias clássicas, seus erros a conduzem fatalmente a um destino trágico, para o qual parece não haver saída. Na montagem curitibana, essa falta de escolhas é sublinhada. Principalmente a de Medeia. Mas também a privação de alternativas para toda uma geração feminina em uma cultura específica como a grega, em que à mulher restava o casamento e a sorte (ou o azar) de descobrir no esposo um homem digno – ou não.

Quanto à Medeia, ela se apresenta como o centro de tudo o que se diz e faz, o estopim dos acontecimentos, a causadora, a vítima, a assassina. Seu sofrimento está embebido de autocomiseração, da qual retira justificativas para sua vingança.

Toda a encenação é armada para que a atenção recaia em ouvir o que ela tem a dizer. As falas são claras e o os gestos, moderados. O texto foi cortado, resumido, de modo que sobrevivesse o essencial, não mais do que uma hora de espetáculo, favorecendo a compreensão sem que a escrita clássica tivesse de ser alterada. Além das palavras, o espectador também é atingido pelos silêncios marcantes e pelo lamento da criada que carrega tristeza. Talvez de existir.

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Embora, fora do palco, Marchioro fundamente sua opção por remontar a peça, falando de casos recentes como a morte de Isabela Nardoni, e reafirmando um mundo contemporâneo trágico, em cena o diretor não está interessado em atualizações de qualquer tipo –quem o fez há pouco tempo, vale lembrar, foi o dramaturgo curitibano Paulo Zwolinski, ao se inspirar em Medeia para escrever Como se Eu Fosse o Mundo. A montagem Marchioro permanece no passado. Seu discurso é que pode ser transposto ao presente, se o espectador fizer a travessia. GGG1/2

Serviço

Medeia. Guairinha (R. XV de Novembro, s/n.º), (41) 3315-0979. Texto de Eurípedes. Direção de Marcelo Marchioro. Com Claudete Pereira Jorge e Helena Portela. Sexta e sábado às 21 horas, domingo às 19 horas. R$ 20 e R$ 10 (meia). Até 20 de junho.